Migrantes. A urgência de ‘Acolher, Proteger, Promover e Integrar’
08-10-2024 - 07:00
 • Eugénia Costa Quaresma

Reconhecer as migrações como pedra angular das sociedades modernas é da mais elementar justiça. Atuar nas causas da mobilidade humana é uma tarefa urgente, cuja eficácia está dependente da capacidade de cooperação, dada a transversalidade e interdependência do fenómeno.

Vale a pena ler e refletir sobre esta afirmação extraída da Encíclica Fratelli Tutti, número 15: «A melhor maneira de dominar e avançar sem entraves é semear o desânimo e despertar uma desconfiança constante, mesmo disfarçada por detrás da defesa de alguns valores. Usa-se hoje, em muitos países, o mecanismo político de exasperar, exacerbar e polarizar. Com várias modalidades, nega-se a outros o direito de existir e pensar e, para isso, recorre-se à estratégia de ridicularizá-los, insinuar suspeitas sobre eles e reprimi-los. Não se acolhe a sua parte da verdade, os seus valores, e assim a sociedade empobrece-se e acaba reduzida à prepotência do mais forte. Desta forma, a política deixou de ser um debate saudável sobre projetos a longo prazo para o desenvolvimento de todos e o bem comum, limitando-se a receitas efémeras de marketing cujo recurso mais eficaz está na destruição do outro. Neste mesquinho jogo de desqualificações, o debate é manipulado para o manter no estado de controvérsia e contraposição».

Reconheço a atualidade e a pertinência desta análise… é neste contexto, e em tempos de sinodalidade, que a Santa Sé convidou e convida a Igreja Católica a celebrar, no último domingo de setembro, o Dia Mundial do Migrante e do Refugiado.

As paróquias em Portugal e por este mundo fora acolheram o apelo do Papa Francisco e do Dicastério para o Serviço e Promoção do Desenvolvimento Humano Integral, assinalando nas Eucaristias e com diversas iniciativas esta verdade: DEUS CAMINHA COM O SEU POVO.

Lembrar o Dia Mundial do Migrante e do Refugiado significa reconhecer a presença, a ausência, o contributo e as tensões que as pessoas em contexto de mobilidade suscitam hoje no nosso tecido social e no território que habitamos.

Importa reconhecer a presença: dos que nos procuram, partilham o espaço público e recorrem aos mesmos serviços essenciais; dos que não sabem falar a língua, e precisam de tempo para aprender; dos que anseiam por trabalhar, por estudar, cuidar da saúde; dos que desejam ajudar, ser parte da solução.

Significa igualmente reconhecer a presença: daqueles que regressam, dos que permanecem e recusam o encontro, dos indiferentes, dos que ignoram a verdade; significa ainda reconhecer a existência daqueles que propositadamente, ou inadvertidamente, excluímos.

Importa reconhecer a ausência dos que partiram: em família ou ao encontro da família, em busca de reconhecimento, em busca de melhores condições de vida, de melhor trabalho, de progressão nos estudos, melhores cuidados de saúde, na senda de um sonho.

Importa reconhecer os conflitos motivados pelas diferenças: culturais, religiosas, linguísticas, geracionais, de conceitos, assimetrias, injustiças, e reconhecer as conquistas, as reconciliações, os obstáculos vencidos, na certeza de que O Amor ao Próximo é o Caminho, que nos conduz na Verdade e transforma a Vida em progresso. Na linguagem cristã, conduz-nos à fraternidade.

Celebrar o Dia Mundial do Migrante e do Refugiado é reconhecer os múltiplos contributos: na cultura, artes e espetáculos, gastronomia, desporto, nas ciências sociais e humanas, na comunicação social, até na política. Sim, os migrantes fazem os trabalhos que ninguém quer, mas também exercem outros tipos de trabalho.

Reconhecer as migrações como pedra angular das sociedades modernas é da mais elementar justiça, atuar nas causas da mobilidade humana é uma tarefa urgente, cuja eficácia está dependente da capacidade de cooperação, dada a transversalidade e interdependência do fenómeno.

A Igreja ao propor a celebração nestes moldes, caminhar juntos, quer relembrar todo o bem que fez, faz e falta fazer. Somos um povo peregrino, imperfeito, que cresce na medida em que segue o modelo de Comunhão revelado no Pentecostes. A Igreja propõe-nos incessantemente a conversão do nosso coração para concretizar-se na conjugação destes verbos: Acolher, Proteger, Promover e Integrar, eis a missão da Igreja, assim se entende a tarefa de cada cristão e de cada comunidade converter-se ao Evangelho e anunciá-lo com gestos concretos, a fim de não deixar ninguém para trás.

Importa reconhecer que há mais gente ao serviço e na ausência das imagens partilho as palavras do Diácono Permanente Joaquim Ferreira, ao serviço do Departamento da Mobilidade de Migrantes e Refugiados da Arquidiocese de Braga: “Não olhemos estas pessoas com olhar de suspeita, mas com o amor cristão, com compaixão e solidariedade naquilo que estiver ao nosso alcance. Partilhemos a alegria, a hospitalidade que é tão peculiar do nosso povo português. Procuremos evitar o maldizer, a agressão psicológica, e se mais não nos for possível rezemos a nossa condescendência e oremos ao Senhor por eles. [Uma maneira de levar Jesus aos outros e os outros a Jesus]”.

“Quando o próximo é uma pessoa migrante, sobrevêm desafios complexos. O ideal seria, sem dúvida, tornar desnecessárias as migrações e, para isso, o caminho é criar reais possibilidades de viver e crescer com dignidade nos países de origem, a fim de se poder encontrar lá as condições para o próprio desenvolvimento integral. Mas, enquanto não houver sérios progressos nesta linha, é nosso dever respeitar o direito que tem todo o ser humano de encontrar um lugar onde possa não apenas satisfazer as necessidades básicas dele e da sua família, mas também realizar-se plenamente como pessoa. Os nossos esforços a favor das pessoas migrantes que chegam podem resumir-se em quatro verbos: acolher, proteger, promover e integrar. Com efeito, «não se trata de impôr do alto programas assistenciais, mas de percorrer unidos um caminho através destas quatro ações, para construir cidades e países que, mesmo conservando as respetivas identidades culturais e religiosas, estejam abertos às diferenças e saibam valorizá-las em nome da fraternidade humana» (Fratelli Tutti, nº 129)