Quase dez horas por semana a mais do que a média europeia – é o tempo que os bebés e as crianças portuguesas passam nas creches, amas e jardins de infância. Os dados constam do relatório anual sobre o estado da educação feito pelo Conselho Nacional de Educação e divulgado esta terça-feira.
Segundo o documento, com mais de 300 páginas divididas em três partes, a taxa de cobertura das respostas sociais para a primeira infância (amas e creches) registou um crescimento nos últimos dez anos e hoje Portugal tem uma taxa de cobertura de resposta sociais para crianças com menos de três anos de 36,7%, superior à media da OCDE e da União Europeia. A taxa de pré-escolarização (dos três aos cinco anos) também subiu, situando-se hoje nos 90%.
O numero médio de horas que as crianças lá passam também é superior, muito superior. As crianças com menos de três anos passam em média 39,1 horas por semana nas creches e amas e as crianças com mais de três anos passam 38,5 horas. O numero médio de horas semanais é, assim, “dos mais elevados de entre os países da União Europeia”, onde a média para as crianças com menos de três anos é de 27,4 horas e com mais de três anos é de 29,5 horas.
“É quase uma semana de trabalho e do trabalho pesado, não é das 35 horas”, diz a presidente do Conselho Nacional de Educação, Maria Emília Brederode Santos, em entrevista à Renascença, em que defende um reforço da componente educativa na primeira infância, mas com cuidados.
“Por um lado, acho que se deve reforçar a dimensão educativa, mas por outro lado tem de se ter muito cuidado para não estar a sacrificar o interesse da criança à produtividade e ao facto de os pais terem de trabalhar durante tantas horas”, diz esta pedagoga, reforçando que tem de haver um “esforço conjunto”, porque “há coisas que ultrapassam o sistema educativo e essa questão das condições e dos horários de trabalho dos pais é, naturalmente, uma coisa que ultrapassa o sistema educativo, mas que tem consequências sobre o sistema educativo e sobre a educação das crianças”.
Maria Emília Brederode Santos reconhece que o tempo da creche “é tempo de brincar”, mas isso não impede que também seja tempo de aprendizagem. “Não nos damos conta que os miúdos dos zero aos três precisam também de uma estimulação cognitiva, como dantes também não ligávamos ao que os miúdos dos três aos cinco anos aprendiam e, no entanto, hoje sabemos que aprendem imenso e que um fator com imensas consequências sobre a escolaridade futura. Penso que do zero aos três também vai acontecer isso, ou seja reforçar a componente educativa dos meninos e dos bebés que estão em creches e em amas vai ter efeitos benéficos muito grandes”, acrescenta.
Falhas na formação de adultos
O relatório anual do CNE está divido em três partes. Na primeira, intitulada “À procura da mudança” são elencados dados e números dos vários ciclos educativos, comparando com o passado, mas também com números da OCDE e da UE.
Um dos primeiros dados é a diminuição do número de alunos em Portugal que, em dez anos, superou os 400 mil alunos. Em relação aos vários ciclos educativos, é praticamente constante o aumento da percentagem de cobertura, de proporção de frequência de alunos e a diminuição da retenção. A grande exceção é a formação de adultos, que teve enormes quebras que chegaram aos 80 por cento nos anos de maior crise, começa a ter uma ligeira recuperação, mas ainda muito insuficiente, como reconhece a presidente do CNE.
Já no ensino superior tem aumentado a taxa de escolarização, ultrapassando os 40% nos jovens com 19 e 20 anos. Contudo, a partir dos 21 anos, o valor desse indicador desce, ficando abaixo da média da OCDE e da UE, enquanto que nos jovens entre os 19 e os 20 anos está quatro pontos acima dessas médias.
Também o número de estudantes em programas de mobilidade internacional tem tido “um crescimento consistente” segundo o relatório.
No que toca a recursos humanos, o relatório aponta o envelhecimento da classe docente, com quase metade dos professores do pré-escolar ao secundário a terem 50 anos ou mais. Uma situação que, em entrevista à Renascença, Maria Emília Brederode dos Santos desvaloriza e confia que se irá inverter.
Os recursos financeiros, por seu lado, têm vários tipos de oscilações. No global, aumentaram no ultimo ano em 3%, mas representam um decréscimo de oito por cento em comparação com 2009. Na educação especial há um aumento crescente desde 2012, enquanto nos complementos educativos é tendência tem sido de diminuição da despesa.
Quanto ao que o relatório chama de “Recursos para a aprendizagem”, o número de computadores nas escolas tem vindo a diminuir e aumentam os computadores com três ou mais anos. Por outro lado, tem aumentado o número médio de alunos com acesso à Internet.
A segunda parte do relatório chama-se “Todos podem aprender” e analisa oito exemplos de experiências educativas diferentes, com maior autonomia. A terceira parte são reflexões de especialistas sobre determinados aspetos do sistema educativo, como é o caso da educação para a primeira infância.
O relatório em números
- Em dez anos, o número de alunos diminui em mais de 400 mil. Em 2008/2009, 2 435 665 crianças, jovens e adultos frequentavam o sistema educativo português. Dez anos depois, em 2017/2018, contam-se menos 429 186 inscritos correspondendo a uma quebra de 18%. Esta diminuição é explicada pela redução da taxa de natalidade.
- A maioria das crianças, jovens e adultos (85%) que se encontram no sistema educativo concentram-se em três regiões: Norte (33,6%), Área Metropolitana de Lisboa (31,3%) e Centro (20,2%).
- Portugal tem uma taxa de cobertura da resposta social creches para crianças com menos de três anos (36,7%) ligeiramente superior às médias da OCDE (36,3%) e da UE23 (35,6%).
- As crianças portuguesas passam quase mais dez horas semanais nas creches e infantários do que a média europeia. O número médio de horas semanais, que as crianças portuguesas com menos de 3 anos e com 3 anos ou mais passam em educação e cuidados para a primeira infância e educação pré-escolar (39,1 e 38,5 horas), é dos mais elevados de entre os países da UE28, cuja média semanal de permanência é de 27,4 e 29,5 horas, respetivamente.
- A taxa de pré-escolarização (3 aos 5 anos) regista na década um acréscimo de 7,8 pontos percentuais, situando-se em 2017/2018 nos 90,1%. Numa análise idade a idade, verifica-se que as maiores subidas ocorrem aos 3 e 4 anos, com um crescimento de 12,1 pontos percentuais e 9,5 percentuais, respetivamente.
- As taxas de retenção e desistência revelam uma evolução positiva. No entanto, os percursos escolares marcados pela retenção acentuam-se desde o 1º CEB, à medida que se avança na escolaridade. Em 2017/2018, a taxa de retenção e desistência diminuiu em todos os anos de escolaridade, com exceção do 3º ano que manteve os 2,2% e do 8º ano que aumentou de 6,7% para 6,8%, relativamente ao ano anterior.
- • Ao longo da década, verifica-se que os jovens continuam a optar maioritariamente pela frequência dos cursos científico-humanísticos, oferta educativa vocacionada para o prosseguimento de estudos de nível superior: 58,3% em 2018 face aos 59,3% em 2009.
- A taxa de escolarização no ensino secundário, entre 2009 e 2018, regista uma evolução positiva, exibindo na década um acréscimo de 11,7 pontos percentuais. No que respeita ao comportamento deste indicador por sexo, verifica-se que o acréscimo da participação masculina foi superior (14,4 pontos percentuais) mantendo-se, no entanto, a tendência para as raparigas registarem um nível de participação superior neste nível de ensino.
- Tal como no ensino básico, verifica-se uma evolução positiva nas taxas de retenção e desistência ao nível do ensino secundário, embora os percursos escolares marcados pela retenção se acentuem à medida que os alunos avançam na escolaridade.
- No ensino secundário, a taxa de retenção e desistência é de 15,7%, mas quando se analisa por anos de escolaridade, este valor não é uniforme, sendo de 13,8% no 10º ano, 8,2% no 11º ano e 25,6% no 12º ano.
- Os cursos superiores da área “Educação” têm vindo a registar perdas importantes, atingindo em 2018 o valor mais baixo de inscritos desde 2009 (13 084).
- O número de adultos matriculados em ofertas formativas de nível básico sofreu, entre 2009 e 2018, um decréscimo global de cerca de 80%, sendo o ano de 2014 o que regista menos adultos inscritos. A partir de 2015, inverte-se a tendência, embora de forma pouco expressiva. No ensino secundário a quebra do número de adultos foi de 70%, verificando-se a partir de 2015 um crescimento gradual.
- Em 2017/2018, o número de docentes na educação pré-escolar e nos ensinos básico e secundário é de 146 830, o que revela uma diminuição de 31 167 relativamente a 2007/2008.
- O corpo docente está cada vez mais envelhecido. Quase metade dos docentes, da educação pré-escolar e ensinos básico e secundário tem 50 ou mais anos de idade (46,9%), enquanto a percentagem dos que têm menos de 30 anos é de 1,3% em 2017/2018.
- Apenas 0,02% dos docentes estão no topo da carreira e têm em média 61,4 anos de idade e 39,0 anos de tempo de serviço. Em Portugal, a diferença entre a remuneração de início de carreira e a do topo é muito significativa, quando comparada com a de outros países, sendo que os acréscimos mais relevantes em termos remuneratórios acontecem no período final de carreira.
- A despesa do Estado em educação, em 2018, apresenta um acréscimo de cerca de 3% relativamente ao ano anterior (+253,14 milhões de euros). Quando comparado com o ano inicial da série (2009), a despesa decresceu perto de 8% (-727,51 milhões de euros).
- Cerca de três quartos desta despesa são aplicados na rede pública, 23,2% na rede solidária e 0,9% na rede particular e cooperativa.
- O montante da despesa com educação especial vem a crescer desde 2012, registando em 2018 um acréscimo de 70,77 milhões de euros, comparativamente ao ano de menor despesa.
- O número de computadores existentes nas escolas do Continente tem vindo a descer, registando em 2017/2018 uma quebra de 28% relativamente ao ano de 2015/2016.
- No ensino público, o número médio de alunos por computador aumentou de ano para ano, em todos os níveis e ciclos de ensino. Em 2017/2018, o número mais elevado ocorre no 1º ciclo (6,6), enquanto nos restantes se registam 4,4 no 2º ciclo, 4,3 no 3º ciclo e 4,1 no nível secundário.
- Dos computadores existentes nas escolas, apenas uma parte tem ligação à internet. Contudo, o número médio de alunos por computador com ligação à internet aumentou em todos os ciclos e níveis de ensino público
- Nos últimos três anos, a taxa de alunos abrangidos pela Ajuda social Escolar (AES), nos ensinos básico e secundário da rede pública de escolas, no Continente, diminuiu de 40,1% em 2014/2015, para 36,1%, em 2017/2018.
- Na última década, o ano letivo de 2009/2010 revela a maior proporção de alunos que beneficiam de ASE (43%), enquanto o ano letivo de 2018/2019 apresenta a menor (36,1%).
- A maior percentagem de alunos que beneficiam de ASE, no ano 2017/2018 frequenta percursos curriculares alternativos dos 2º e 3º CEB, os cursos de educação formação do 3º CEB, e os cursos vocacionais e profissionais do ensino secundário, o que parece indiciar uma relação entre os problemas financeiros e as dificuldades de aprendizagem, por um lado, e o determinismo social, por outro.