Durante quatro dias, esta semana, o mundo inteiro só falou (quase) de uma coisa: o submersível Titan, junto aos destroços do Titanic, com cinco pessoas a bordo.
Primeiro, o foco esteve no desaparecimento. Depois, nas operações de busca e salvamento. A história algo romanesca – que terminou em tragédia, conforme foi noticiado na quinta-feira - abriu noticiários, teve direito a atualizações quase minuto a minuto, em alguns dos maiores órgãos de comunicação mundiais.
Portugal, claro, não escapou a esta onda mediática. Por cá, entrou-se no dito efeito carruagem: “Se os outros estão a fazer, nós também temos que fazer.”
Registou-se uma onda de interesse e atenção “desproporcional” à situação do submersível, até por comparação com outras tragédias recentes e bem mais próximas da costa portuguesa, nota Luís António Santos, docente e diretor-adjunto do Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade da Universidade do Minho, em declarações à Renascença.
“Não se questiona que haja cobertura jornalística destes eventos. O que eventualmente é legitimo questionar é que se entreguem 15 minutos de um telejornal a estes eventos. Uma situação trágica, mas que aconteceu no meio do Atlântico, com cinco cidadãos. Se isto acontecesse perto das Berlengas, era menos questionável. Aconteceria na nossa costa, as operações de salvamento envolveriam meios portugueses e aí sim era mais fácil justificar esta desproporção na cobertura”, afirma.
Ainda na semana passada, mais de 500 migrantes morreram no Mediterrâneo a tentar chegar à Europa. Esta tragédia, de maiores proporções, recebeu muito menos cobertura que o desaparecimento do submersível Titan. Porquê? As redações fizeram um trabalho rotineiro, com base em imagens de agências.
E mais, lembra Luís Santos: “Um assunto é claramente despolitizado, não representa nenhum risco para a cobertura jornalística, enquanto o outro é uma situação em que existem opiniões políticas na Europa muito diversas.”
No entender do docente universitário, a história do Titan tinha a seu favor o facto ter “uma narrativa muito próxima da ficção à qual estamos muito habituados. Uma narrativa que nos é entregue por episódios. A cada novo episódio há um novo fator de tensão, não sabemos qual é o desfecho final.”
Aliás, recorda, o frenesim criado pelo caso do Titan não é insólito. “Não é o primeiro, nem será o último. Lembramo-nos todos dos mineiros no Chile, dos jovens na gruta na Tailândia.”
Para o ativista Pedro Pedrosa, do coletivo HuBB – Humans Before Borders, é chocante ver o diferente nível de cobertura das duas tragédias. É assumir que há vidas que valem mais que outras, defende.
“Vidas de pessoas ricas, que estão a fazer turismo no fundo do mar, valem mais que vidas do que pessoas que atravessam o Mediterrâneo, porque não existe outra alternativa para cá chegarem.”
Pedro aponta ainda que é estranho ver a quantidade de meios alocados, a iniciativa que muitas nações tomaram para salvar 5 pessoas, e a passividade com a situação no Mediterrâneo. “Há uma situação em que se procura que não existam meios de resgate civis, enquanto para outra se deslocam navios e navios, muito equipamento. Claro que todas as vidas humanas têm valor. Mas deviam fazer o mesmo igual por todas.”