A interdisciplinaridade tem sido uma das apostas da Universidade Católica Portuguesa (UCP), que, 55 anos depois de ter sido criada, pretende continuar a trilhar o “caminho de inovação”.
Esta é uma garantia dada à Renascença pela reitora da UCP, Isabel Capeloa Gil, no decurso de uma conversa a propósito do Dia da Universidade, que se assinala no próximo domingo, 6 de fevereiro.
A sessão comemorativa decorrerá dia 11, com a atribuição de doutoramentos "Honoris Causa" a António Horta Osório - economista, gestor e ex-presidente do Credit Suisse -, e a Joseph Weiler, um dos maiores especialistas em Direito Constitucional Europeu e que ficou conhecido por, em nome do pluralismo, ter conseguido restaurar o direito do Estado Italiano de exibir crucifixos nas salas de aula.
Na mensagem que divulgou para o Dia da Universidade Católica, apela à defesa intransigente da dignidade humana e sublinha o empenho da instituição em contribuir, através da sua ação científica e formativa, para um "novo humanismo" e para o desenvolvimento de uma sociedade “mais inclusiva, solidária e ambientalmente sustentável". Como é que isto está a ser feito?
Vou salientar dois níveis: o primeiro é pela integração destes princípios no Plano de Desenvolvimento Estratégico da Universidade, que foi aprovado em março, com princípios que atravessam todas as políticas de desenvolvimento da instituição, que vão desde a área do ensino à investigação, à capacitação dos docentes, à relação com as partes interessadas e com os nossos parceiros do mercado. De forma mais concreta, considerar, por exemplo, o Plano de Igualdade de Género, recentemente aprovado, que permite garantir o desenvolvimento das carreiras com regime de igualdade de oportunidades entre homens e mulheres, rejeitando, naturalmente, todas as formas de discriminação. Este, aliás, é um princípio que está vertido no nosso código de ética.
A nível do ensino uma das transformações relevantes é a criação das cadeiras ODS - um conjunto de disciplinas que resultam da seleção de temas centrais dos Objetivos de Desenvolvimento do Milénio, como a responsabilidade ambiental e a erradicação da pobreza, e que são lecionadas a várias mãos por docentes de áreas disciplinares muito distintas.
Por exemplo, a área do ambiente terá a participação não só dos especialistas e investigadores da Escola Superior de Biotecnologia, do Instituto de Ciências da Saúde, mas também da Faculdade de Direito e das faculdades de Economia e Gestão. O mesmo vai acontecer quando tratarmos a cadeira associada ao ODS da pobreza, que terá também uma vertente inter e transdisciplinar.
O que estamos a fazer neste momento é desenvolver um conjunto de seminários e disciplinas com matérias transversais, que organizem e estejam alinhadas com os Objetivos de Desenvolvimento do Milénio e com aquilo que são os grandes problemas com os quais as sociedades se debatem, e que têm necessariamente de ser resolvidos por equipas multidisciplinares. Incutir este espírito de multidisciplinaridade é absolutamente essencial para uma universidade que se quer posicionar e ser competitiva para poder resolver estas matérias.
Como surgiu a ideia de criar estas cadeiras ODS? A iniciativa está ligada aos Objetivos do Milénio, definidos pela ONU, mas há também aqui uma influência das encíclicas do Papa Francisco?
Exatamente, da "Laudato Si" e da "Fratelli Tutti", e está alinhada com os objetivos 'Laudato Si'. Estas duas encíclicas sociais são documentos enquadradores do Plano de Desenvolvimento Estratégico da UCP.
Tentando responder a um dos aspetos que referiu há pouco: o "novo humanismo" vem justamente disto, de pensar a formação e a educação superior de uma forma holística e orgânica. O Papa fala do conceito de 'ecologia integral' articulando os saberes na sua diversidade e nas suas linguagens diversas, integrando-os de forma a que, sem desprimor dos estudantes fazerem a sua capacitação em áreas delimitadas, irem ao mesmo tempo desenvolvendo os mecanismos necessários para poderem compreender linguagens e quadros disciplinares distintos, porque só assim se consegue abarcar a realidade na sua diversidade e verdadeiramente contribuir para um conhecimento e uma defesa cada vez mais aprofundada do novo humanismo, ou seja, de uma nova dignidade humana.
É uma ligação a coisas reais e concretas, da vida das pessoas?
Estes ODS têm muito a ver com aquilo que é a realidade da vida das pessoas. É claro que, por exemplo, numa disciplina ODS sobre a pobreza, vamos ter um conjunto de indicadores de macroeconomia e indicadores relacionados com a teoria comportamental. Ou seja, são aspetos que podem estar, e estão certamente, integrados em áreas disciplinares próprias, mas que são convocados de forma temática para estes seminários, para sensibilizar os formandos e os estudantes de que estes problemas têm de ser resolvidos indo buscar aquilo que são instrumentos da caixa de ferramentas de saberes diferentes e distintos.
Estas cadeiras ODS começam agora a ser lecionadas, em fevereiro...
Começaram agora. São opcionais ainda, vamos ver… Uma das coisas que está também a ser planeada é o repensar a refiguração dos curricula, sobretudo de 1º ciclo, para os tornar mais transversais, dentro desta lógica mais integradora. Mas esse trabalho ainda está a ser planeado neste momento.
Uma das apostas da UCP tem sido a interdisciplinaridade, que já referiu. Isso é visível, por exemplo, no novo curso de Medicina, que inclui várias cadeiras da área de humanidades. É uma marca que querem deixar? O contexto em que vivemos assim o exige?
É, porque na verdade os problemas não se resolvem em caixas, tem de ser através do princípio de vasos comunicantes. E também a formação, quando falamos na capacitação dos futuros profissionais, a realidade profissional cada vez mais exige flexibilidade, capacidade de discernir realidades conceptuais distintas e exige capacidade analítica em quadros diferenciados, portanto, a Universidade tem necessariamente que acompanhar estes requisitos e estas necessidades do mundo profissional. Aliás, a universidade é um espaço por excelência para estar atenta, sensível, antecipar tendências e reagir a elas.
A UCP foi criada há 55 anos. Continua a marcar a diferença e a ser pioneira em termos de oferta educativa em Portugal?
É óbvio que sim, isso faz parte do nosso ADN, antecipar e criar abertura no sistema. Temo-lo vindo a fazer de forma sistemática no passado - fomos a primeira instituição a ter um curso que hoje se chama Gestão. Temos cursos de Economia do país, económico-financeiros de qualidade, mas a Gestão enquanto área disciplinar, a Católica foi a primeira instituição a criá-la e com enorme sucesso. Outras áreas de intersecção das humanidades, a primeira Faculdade de Medicina não estatal, temos agora também dentro das ofertas - e estou só a utilizar alguns exemplos representativos - uma formação de grande tradição no espaço anglo-saxónico, e que é o primeiro em Portugal, o curso de Filosofia Política e Economia, que justamente responde a esta necessidade de quadros distintos para intervir no mundo da política, das relações internacionais, das empresas. Gostamos de caminhar onde outros ainda não estiveram, e de ajudar também o sistema a reconfigurar-se. Aliás, isso faz parte do ADN da Universidade, é verdade.
O novo curso de Medicina abriu há poucos meses, Já é possível fazer um balanço?
Ainda não é possível fazer o balanço total, mas podemos fazer o acompanhamento. As aulas estão a correr muito bem, com grande motivação da parte dos estudantes e dos docentes. De facto é começar um projeto com todas as condições tecnológicas do que são as exigências do novo ensino de Medicina.
Um dado muito importante: nas avaliações dos módulos disciplinares já concluídos no primeiro semestre, os resultados foram absolutamente excelentes, o que nos deixa com orgulho. São resultados que são depois parametrizados. Como sabe temos esta parceria em educação médica com a Universidade de Maastricht, e são parametrizados com aquilo que é expectável no curso que está a ser desenvolvido há muitas décadas na Holanda. O nosso tem modelos inovadores, mas os resultados destes estudantes, que são de facto extraordinários, têm sido excelentes e podemos dizer que no acompanhamento do desenvolvimento autónomo dos alunos e do atingir dos objetivos, que tudo está a correr melhor do que o previsto.
É importante dizer que a UCP vai continuar no seu caminho de inovação, é esse o nosso mandato, o mandato desta reitoria. Iremos continuar a trabalhar de forma responsável para responder a estas exigências, e sobretudo no momento em que estamos a sair de uma pandemia, e em que precisamos de dar aos jovens e ao país a capacidade de continuar a aspirar e a fazer melhor, para que o país cresça.