“Muitas vezes, quando se fala de 'burnout', parece que é excesso de trabalho, mas, às vezes, não é só o excesso de trabalho”, alerta Tânia Gaspar, que coordenou um estudo que analisou cerca de dois mil trabalhadores.
A intervenção na saúde mental e prevenção do "burnout" é prioritária nas empresas, concluiu um estudo do Laboratório Português dos Ambientes de Trabalho Saudáveis, indicando que os trabalhadores da saúde, educação e administração pública são os de maior risco.
Neste grupo de maior índice de risco estão igualmente os trabalhadores dos setores dos transportes, área social e comércio e retalho.
O estudo aponta também para a necessidade de as empresas desenvolveram estratégias de gestão de conflitos e chama a atenção para as empresas trabalharem a questão da liderança.
O trabalho, a que a Lusa teve acesso e que analisou cerca de 2.000 trabalhadores de setores de atividade como a saúde, administração pública, transportes, alojamento e restauração, educação e indústria, entre outras, identificando níveis de risco elevado em termos da saúde mental, com quase 80% dos trabalhadores a apresentarem pelo menos um sintoma de burnout.
"Normalmente, a avaliação do ambiente das empresas é feita de forma segmentada. (...) Este instrumento de avaliação que usamos [EATS - Ecossistemas de Ambientes de Trabalho Saudável] permite fazer uma avaliação integral, no mesmo momento, de todas as áreas e relacioná-las, porque elas influenciam-se mutuamente e estão relacionadas", explicou à Lusa a coordenadora deste trabalho, Tânia Gaspar.
Os investigadores avaliaram várias organizações a nível nacional e, depois, fizeram estudos específicos por setores de atividade, uma vez que o comportamento de alguns setores de atividade "envolve mais risco do que outros".
O estudo envolveu cerca de 2.000 participantes, a maioria trabalha numa grande empresa/organização (250 ou mais pessoas).
Segundo os dados a que a Lusa teve acesso, são três as dimensões que apresentam maior risco: saúde mental e burnout, as lideranças e os recursos, ou, neste caso, a falta deles.
"Muitas vezes quando se fala de burnout parece que é excesso de trabalho, mas, às vezes, não é só o excesso de trabalho. Há vários fatores de risco para o burnout. Por exemplo, pode haver exigência extrema a nível do esforço físico e psicológico, emocional ou até cognitivo, mas também [contribuem] as tensões e relações tóxicas com as lideranças e com os próprios colegas de trabalho", explicou.
Falta de reconhecimento do trabalho
A psicóloga refere igualmente que para a situação de burnout, que se vai instalando com o tempo, também pode contribuir o facto de a pessoa sentir que seu trabalho não é reconhecido ou que as suas competências estão mal aproveitadas.
Tania Gaspar disse que, muitas vezes, estas pessoas chegam ao consultório e as queixas são relativas a problemas de sono: "Nós efetivamente conseguimos compreender [em consultório] que a pessoa não está a conseguir dormir porque ou alterou o seu padrão de relações interpessoais, está mais hostil, mais intolerante para os outros".
"O facto de cerca de 80% dizer que tem pelo menos um dos destes sintomas - tristeza, irritabilidade, exaustão e cansaço extremo é algo que nos preocupa", sublinhou a especialista, frisando que 63% das pessoas apresentam os três sintomas".
Esta situação afeta o profissional em diversas áreas da sua vida, incluindo a saúde física, social e a saúde laboral. "Logo, a própria empresa acaba por ficar afetada", observou.
"A pessoa acaba por ter um desempenho mais debilitado, (...) tende a trabalhar menos e a fazer mais erros, a ter mais stress, a criar mais relações menos positivas também no contexto laboral, afetando o trabalho de equipa", disse a responsável, insistindo: "ter uma pessoa nesta situação também não é positivo para a própria organização e há aqui um trabalho de prevenção a fazer".
Neste estudo, os trabalhadores disseram igualmente que se sentem pouco valorizados, que sentem que não são envolvidos na tomada de decisões, que a liderança está focada na obtenção de resultados e não o suficiente no bem-estar dos profissionais e consideram que, muitas vezes, não têm um sentimento de pertença à entidade empregadora.
"Isto é algo em que a organização também tem que refletir e pensar que, se calhar, ou não está a fazer algo bem ou não está a comunicar bem aquilo que está a fazer", alertou.
Chefias intermédias precisam de intervenção específica
A investigadora Tânia Gaspar considera que as chefias intermédias são nas empresas um grupo em grande risco de stress e devem ter uma intervenção específica, como o 'coaching de liderança', para garantir um ambiente de trabalho saudável.
Coordenadora do trabalho desenvolvido pelo Laboratório Português dos Ambientes de Trabalho Saudáveis (Labpats), que vai ser apresentado na terça-feira, a especialista, que é psicóloga clínica, lembrou que as lideranças estão como que "numa posição de sanduíche": "estão em grande pressão pois acabam por estar pressionadas pela administração para cumprir os objetivos (...) e pelas próprias características dos profissionais que são difíceis de gerir".
Muitas vezes, "como são postos em causa, a melhor defesa é o ataque" e acabam por ser "mais hostis", exemplificou.
"Se eu tivesse que definir um ponto para intervir [nas empresas] era nas lideranças. Porque além de serem profissionais que também têm que ter bem-estar [no trabalho] eles têm uma grande influência no bem-estar dos outros", considerou.
Deu ainda o exemplo de ter lideranças empáticas, sublinhando: "temos estudos que revelam que se a atitude do líder é, por exemplo, de intolerância, de hostilidade, vai dar mais azo a que, mesmo dentro da própria equipa, a relação entre os colegas têm mais essa dinâmica".
Por outro lado, acrescentou, "se tiver um líder empático, assertivo e com escuta ativa a minha equipa vai ter muito mais dificuldade em ter um comportamento negativo".
"Eu acho que a liderança é realmente central, porque é bom para ela, mas depois também é aquela que vai de alguma maneira influenciar mais o ambiente de trabalho dos outros", afirmou.
Tania Gaspar dinamiza o Labpats, que conta, entre as organizações fundadoras, com a Associação Portuguesa dos Administradores Hospitalares, a Cruz Vermelha Portuguesa, o Programa Nacional de Saúde Ocupacional da Direção-Geral da Saúde, o Instituto Nacional de Administração e diversas ordens profissionais, sociedades científicas e universidades.
O seu intuito é estudar de forma sistemática as organizações e promover a saúde e bem-estar destas e dos seus profissionais, com o objetivo de ajudar as empresas a melhorar resultados.
As recomendações destes especialistas para que as organizações consigam manter ambientes de trabalho saudáveis estão num manual de acesso gratuito.