Pedro Nuno Santos e André Ventura confrontaram ideias e métodos distintos no combate à corrupção, saúde e impostos no frente a frente que os opôs esta quarta-feira à noite, em mais um debate antes das eleições legislativas de 10 de março. O líder do PS acusou Ventura de não poder ser “levado a sério” nas propostas que faz por já ter defendido o contrário delas e querer dar tudo a todos. Já o presidente do Chega descreveu Pedro Nuno Santos como o “candidato amnésia” e quis colar o PS ao PSD.
No debate transmitido na TVI, o secretário-geral do PS foi forçado a defender a proposta de obrigar médicos a ficar no Serviço Nacional de Saúde por um período de tempo após a conclusão da especialidade. Pedro Nuno Santos disse que a medida “não será uma imposição”, mas que procurará “as condições, os estímulos necessários para que nós consigamos recrutar” e “manter médicos no SNS”. A proposta, acrescentou, “não é inútil”, e é preciso “ouvir”, tal como “negociar”, para “encontrar as medidas”.
Para André Ventura, a proposta “não só não faz sentido como mostra bem como Pedro Nuno Santos é um candidato impreparado para ser primeiro-ministro". O líder do Chega apontou que “a ideia não era esta, era amarrar mesmo os médicos”, e apelidou o socialista de “candidato amnésia”.
“É o candidato que agora propõe aumentos na saúde, aumentos aos enfermeiros, mas esteve no Parlamento o tempo todo, estes últimos meses, votou contra a reforma dos enfermeiros, contra os aumentos no SNS, nomeadamente nos salários, e até contra o tempo de serviço dos professores. E agora quer uma medida estalinista”, assegurou Ventura.
Depois de o presidente do Chega defender incentivos fiscais e o pagamento de horas extraordinárias aos profissionais de saúde - assim como o aumento da oferta de cursos de medicina -, Pedro Nuno Santos defendeu o currículo da governação do PS e acusou Ventura de querer “evoluir do Serviço Nacional de Saúde para Sistema Nacional de Saúde, nós já sabemos onde isto vai acabar, no desvio de recursos do SNS para o negócio privado da saúde”.
“Quando os portugueses precisam de resolver um problema grave, raro, complexo de saúde, é ao SNS que vão. E se nós quisermos continuar a dar resposta às necessidades dos portugueses em matéria de cuidados de saúde, precisamos de um SNS forte, e de não ficar na mão nem exclusivamente dependente de privados”, atirou o líder do PS.
Pedro Nuno Santos sublinhou ainda que André Ventura “já quis extinguir o Ministério da Educação” e “já quis extinguir o Ministério da Saúde e o SNS”, pelo que “as posições do Chega e de André Ventura não são para levar a sério”.
André Ventura contra-atacou, descrevendo o socialista como “rosto do maior falhanço do governo, que é a saúde” por ter sido “ministro, principal ministro”. O líder do Chega apontou ainda para o aumento do orçamento do SNS, e usou uma notícia de 2013 para dizer que o desperdício na área da saúde atinge um a três mil milhões de euros.
“O Chega propõe não que o privado substitua o público, e o Pedro Nuno Santos sabe muito bem que 40% das diligencias já são feitas no privado, o sistema já é misto”, declarou Ventura, garantindo que quer “recorrer às melhores práticas europeias nesta matéria” e que Pedro Nuno Santos “põe a ideologia à frente dos cidadãos”.
O “político do sistema” que “aderiu à ideologia da moda”
No terceiro debate com o Chega que excedeu os 30 minutos anunciados – desta vez foram 38 –, o secretário-geral socialista apenas largou a postura explicativa no final, quando as perguntas chegaram às contas das propostas dos dois partidos.
Enquanto André Ventura desviava o assunto para dizer que o “rombo nas contas públicas está nos ministérios com prejuízo de três mil milhões de euros”, e não nas propostas do Chega, Pedro Nuno Santos atacou logo, criticando o seu adversário por continuar “sem saber as contas do seu programa”.
“Uma boa gestão deste país não só resolvia o problema como punha o país a crescer 4% ao ano”, atirou Ventura, antes de ouvir de novo que “não é para levar a sério” porque “o Chega baixa impostos, acaba com uma série deles, aumenta a despesa, tem resposta para toda a gente”.
Pedro Nuno Santos argumentou que o aumento de pensões proposto pelo Chega custa nove mil milhões de euros “todos os anos”, pelo que a economia “teria de crescer três a 5% durante 40 anos”. Ventura, realçou o socialista, “não está preocupado se o programa é viável ou não”, mas sim em “enganar as pessoas”. Depois, veio a colagem ao PSD de Passos Coelho, ajudada pela gravata “perto de cor de laranja” que o presidente do Chega usava.
“Apoiava o governo que cortou os polícias, cortou os trabalhadores do Estado, os agricultores, e depois aderiu à ideologia da moda, para ver se consegue subir no sistema. Foi sempre esse o seu objetivo, ser um político do sistema a tentar subir no sistema”, criticou o líder do PS, rematando que “o parceiro que tanto deseja não leva a sério” André Ventura.
O secretário-geral socialista afirmou que quer “continuar o esforço de redução do IRS”, mas foi acusado por Ventura de ser o “ministro das trapalhadas” e de ter liderado o mandato onde “construímos menos nos últimos 50 anos”. Algo de que Pedro Nuno se defendeu com “o maior plano de investimento público da habitação na história da democracia”, o alargamento do Porta 65 e a promessa de “uma garantia pública para os jovens que queiram comprar casa”.
Já no fim do debate, o líder do PS confrontou o presidente do Chega acerca das declarações em que disse ter a “garantia total” de que uma maioria de direita resultaria num “governo de direita, com ou sem Montenegro”, e pediu a André Ventura para ter “coragem” para dizer quem o tinha feito.
O líder do partido de extrema-direita afirmou que Pedro Nuno Santos “não é de direita nem é interlocutor”, pelo que não teria que “dar nomes”, e continuou a fugir à questão alegando que a principal preocupação “não é acordos nem viabilidade, é a luta contra a corrupção”.
Recursos na justiça, para que vos quero?
O debate começou pela justiça, a reboque da decisão do juiz de instrução de deixar os três detidos das investigações de corrupção na Madeira saírem em liberdade por falta de indícios. O socialista considera preocupante o tempo de detenção de 21 dias, mas presume “que tenha sido o tempo necessário para que o juiz de instrução sinta segurança naquilo que produziu”. Com o anúncio de recurso pelo Ministério Público, Pedro Nuno conclui que “temos a justiça a funcionar”.
André Ventura discordou, e preferiu realçar “os factos que nós conhecemos, de enriquecimento de alguns personagens à vista de todos”, de “não-declaração de património” por Miguel Albuquerque e de “metade dos apoios públicos à habitação” serem entregues “a uma empresa”. Isto significa que “este circuito da corrupção não morre com nenhuma decisão e tem que ser investigado”.
O líder de extrema-direita atacou ainda a “apresentação de recursos para atrasar a justiça”, acenando repetidamente com o caso de José Sócrates, assim como de Manuel Pinho. O secretário-geral do PS descreveu-se “preocupado com a morosidade da justiça”.
“Eu cá nunca fui condenado e, portanto, nunca senti a necessidade de recorrer. André Ventura já foi condenado por difamação e recorreu. Sentiu que deveria exercer esse direito", acrescentou.
André Ventura sacudiu a água do capote, recusando que tivesse sido condenado por difamação ou num processo-crime. Mas a verdade é que foi condenado, e o recurso foi rejeitado pelo Tribunal da Relação de Lisboa.
O presidente do Chega voltou a defender a facilitação do arresto e do confisco de bens provenientes de corrupção, e voltou a ouvir uma resposta que já tinha ouvido de Luís Montenegro e de Mariana Mortágua: “o arresto preventivo já existe em Portugal”.
Pedro Nuno Santos regressa aos debates esta sexta-feira, frente a Mariana Mortágua, coordenadora do Bloco de Esquerda (RTP1 e RTP3, 20h30). No mesmo dia, André Ventura tem pela frente Rui Tavares, o último oponente da sua participação nestes debates (SIC Notícias, 22 horas). Todos participam no debate das rádios, marcado para 26 de fevereiro às 10h, com transmissão em simultâneo na Renascença, Antena 1, TSF e Observador.
[notícia atualizada às 2h25 de 15 de fevereiro]