A menina morta em Setúbal em junho do ano passado "foi selvaticamente agredida", "abanada violentamente e atirada várias vezes contra uma superfície dura", afirmou esta terça-feira o coordenador do Gabinete Médico-Legal de Setúbal.
"O que matou a Jéssica, sem margem para dúvidas, foi ter sido abanada violentamente e atirada várias vezes contra uma superfície dura", disse João Luís Ferreira dos Santos, responsável do Gabinete Médico-Legal de Setúbal desde 2011, que hoje foi ouvido como perito pelo tribunal de Setúbal.
Segundo o perito, "bastam dois a quatro abanões num período de cinco a vinte segundos para provocar a morte de uma criança", sendo que uma em cada quatro crianças que é vítima deste tipo de agressão acaba por morrer, enquanto outras ficam com lesões permanentes e muito graves.
Ouvido durante toda a tarde no tribunal de Setúbal, o perito médico procurou esclarecer as dúvidas dos magistrados e dos advogados relacionadas com a autópsia e com alguns pontos do despacho de acusação.
"Foi o caso mais grave que vi nos últimos anos", disse João Luís Ferreira dos Santos, depois de relatar ao pormenor algumas das principais lesões que terão sido infligidas à menina de três anos, alegadamente durante os cinco dias em que terá estado retida em casa dos arguidos Ana Pinto, do marido Justo Montes e da filha Esmeralda Montes, como garantia de pagamento de uma dívida da mãe por atos de bruxaria.
Ana Pinto, Justo Ribeiro Montes e Esmeralda Pinto Montes estão a ser julgados pelos crimes de homicídio qualificado consumado, rapto, rapto agravado e coação agravada.
Estes três arguidos e Eduardo Montes, filho de Ana Pinto e Justo Ribeiro Montes, estão ainda acusados de um crime de violação agravado e de um crime de tráfico de estupefacientes agravado.
A mãe de Jéssica, Inês Sanches, está acusada dos crimes de homicídio qualificado e de ofensas à integridade física qualificada, por omissão.
De acordo com o responsável do Gabinete Médico-Legal de Setúbal, Jéssica não só apresentava lesões neurológicas compatíveis com o facto de ter sido violentamente abanada num período de até 48 horas antes de ter sido declarado o óbito, como também apresentava sinais de outras agressões violentas em diversas partes do corpo.
O perito disse ainda que, entre muitas outras lesões, a menina apresentava uma queimadura de segundo grau na zona da boca, que lhe terá sido provocada por um "líquido fervente".
Por outro lado, refutou liminarmente o argumento da arguida Ana Pinto de que as lesões da criança teriam sido provocadas por uma queda de uma cadeira.
Questionado pelo juiz presidente do coletivo, o perito de medicina-legal garantiu, no entanto, que não foram encontrados indícios de que a menina tivesse sido utilizada como correio de droga como sustenta o despacho de acusação, mas também não excluiu essa possibilidade.
João Luís Ferreira dos Santos disse que a menina apresentava de facto um "alargamento do esfíncter anal", mas que não foram detetados sinais de lesões recentes.
Instado pelos advogados no processo a esclarecer se a eventual introdução de drogas no ânus da criança pouco tempo antes de morrer teria provocado lesões, o perito médico deixou claro que tal dependeria do tamanho dos objetos que tivessem sido utilizados.
Enquanto o perito falava das múltiplas agressões de que Jéssica terá sido vítima, a mãe teve uma crise de choro e, depois de autorizada juiz presidente, ausentou-se da sala de audiências durante alguns minutos para se recompor.
Inês Sanches, que hoje comunicou a intenção de prestar declarações durante o julgamento, ao contrário do que tinha dito inicialmente, deverá ser ouvida quarta-feira de manhã pelo tribunal de Setúbal.
O caso começou a ser julgado no tribunal de Setúbal em 5 junho.