Esta semana está a ser marcada pela realização de dois eventos internacionais "que vão mudar a nossa vida nos próximos anos", a Web Summit e a COP26.
Talvez por isso, em alguns paineis da Web Summit 2021 o mundo da tecnologia fez questão de olhar para o lado e perceber quem está de fora da digitalização, a nova face da desigualdade.
Num painel onde participou a secretária de Estado da Justiça, Anabela Pedroso, falou-se do fosso digital que já existia entre os hemisférios, mas "tornou-se mais evidente durante a pandemia".
"Nos países mais pobres apenas 25% das pessoas têm algum tipo de acesso à Internet", começou por salientar Robert Opp, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. E por que razão isto se tornou mais importante nesta altura? "Essas pessoas não tiveram forma de consultar informação online sobre a covid-19". "Se não tens Internet, não consegues aceder a serviços governamentais, efetuar operações bancárias em casa, manter o distanciamento digital... É um desafio para o seu sustento", acrescentou.
Também ao nível local, os governos tiveram de resolver problemas de acesso para, por exemplo, manter alunos em casa a ter aulas ou idosos a interagir com a família, em confinamento. Anabela Pedroso garantiu que este foi "o maior desafio que já enfrentamos" e que a resposta a ele foi "simples mas complexa": "Temos de ter uma abordagem centrada nas pessoas".
"Precisamos de perceber as necessidades de todos e responder de forma rápida", explica Anabela. "Temos de ser pragmáticos. O que fizemos em Portugal foi perceber quais eram as necessidades das pessoas e meter as empresas a trabalhar, fazendo a sua própria organização. Atualizamos coisas simples, como o certificado de nascimento digital, que foi resolvido numa semana, ou a renovação do Cartão do Cidadão por SMS. Foram essas as nossas soluções para os cidadãos. Relatando o caso português, mas focando-se no cenário global, Anabela defende que "no final, o mais importante nesta abordagem humana é...ser humano. A tecnologia não é a coisa mais importante, é só um meio. Se metade do mundo não tem eletricidade, como podemos falar de exclusão digital?", questiona, lançando o debate.
Contrariar o fosso digital com educação e ideias simples
Gbenga Sesan, diretor executivo da Paradigm Initiative, uma instituição educacional que ajuda jovens africanos a ter acesso a oportunidades digitais, reforçou a ideia de que o fosso digital pode ser contrariado. "Na escola secundária onde aprendi nem sabíamos o que era um PC. Quando mandei o meu primeiro email...isso mudou a minha vida. Mudou a história que ainda hoje escrevo. O digital pode mudar vidas", reforça, sem descurar que outros problemas, como acesso a água, também têm de ser resolvidos, mas afirmando que, com a pandemia, a tecnologia deixou de ser uma comodidade e passou a ser uma necessidade.
Mas nem tudo são más notícias. São cada vez mais as soluções digitais que se apresentam para ajudar a limitar o fosso. Nos países onde as escolas são poucas para tantos jovens alunos, "podemos resolver o problema da falta de escolas com plataformas digitais", diz Gbenga.
Noutro painel, onde participicou o ex-futebolista camaronês Samuel Eto'o e uma responsável da Unicef, discutiu-se exatamente essa possibilidade através da iniciativa Giga, que pretende conectar todas as escolas do mundo à Internet até 2030 e dar a oportunidade a todos os jovens de acederem ao digital. Já conseguiram fazê-lo num milhão de escolas, espalhadas por mais de 40 países e a iniciativa ainda só tem dois anos.
Também as empresas cada vez mais percebem que a exclusão digital não beneficia ninguém e querem ser parte da solução. Anca Bodgana Rusu, chefe de estratégia da cLabs, que tenta levar soluções financeiras acessíveis mesmo a quem tem pouco acesso à Internet, espera que quem abraçar esta causa perceba, por exemplo, que "a ideia do acesso digital já não significa um computador.
Temos milhões e milhões de telemóveis no mundo. Temos de pensar 'mobile first' porque é um produto que muita gente tem e é isso que pode ajudar na exclusão digital", assegura.
Anabela vai mais longe e acredita que o exemplo africano tem de ser continuado. "Olhem o que aconteceu no Quénia, que criou o chamado dinheiro móvel. Quem o fez não era sequer letrado, mas aprendeu a ler porque tinha uma necessidade e queria encontrar uma solução. O mais importante é pegar numa necessidade e transformá-la numa boa ideia", remata.