Ministra da Saúde. Governo vai estudar regresso à exclusividade dos médicos no SNS com "valorização remuneratória"
11-07-2019 - 00:34
 • Eunice Lourenço (Renascença) e Alexandra Campos (Público)

Os médicos, ao apelarem ao primeiro-ministro, estão a portar-se como crianças com a atitude de “a mãe não dá, vou pedir ao pai”, acusa a ministra da Saúde.

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Marta Temido, a ministra da Saúde que já foi presidente da Associação de Administradores Hospitalares e da Administração Central do Sistema de Saúde, deixa claro que não desistiu de várias medidas que defendia antes de ir para o Governo. Como a do regresso à dedicação exclusiva dos médicos no Serviço Nacional de Saúde (SNS), com remuneração acrescida, que deixou de ser possível há uma década num governo socialista.

Em entrevista ao programa “Hora da Verdade” da Renascença e jornal “Público”, a ministra adianta que está já a ser constituído “um grupo de estudo” para este tema, mas que decisões só na próxima legislatura. Nos dois meses que restam da atual espera reforçar o número de assistentes operacionais e assistentes técnicos no SNS

O Relatório da Primavera do Observatório dos Sistemas de Saúde faz o balanço da ação deste Governo pela voz de três personalidades de quadrantes diferentes, incluindo dois ex-ministros. Todos dizem que o Serviço Nacional de Saúde (SNS) tem de ser repensado. Exatamente o que defendia antes de ser ministra, mas ainda não fez nada. Porquê?

Não considero que seja precisa essa ideia. Mudar por mudar é curto. Aquilo que é essencial é ir fazendo pequenas mudanças, pequenas transformações, adaptações quase que de relojoaria fina, num sistema que, genericamente, é um bom sistema, mas que tem alguns aspetos em termos de acesso, de satisfação dos profissionais de saúde, de necessidade de reforço de investimento, que carecem de mudanças.

Os sindicatos médicos dizem que já não é possível continuar com as negociações com o Ministério da Saúde e apelam ao primeiro-ministro, de novo. Acha que vai ser possível retomar as negociações?

As negociações não estão interrompidas. Não gostaria de caracterizar muito aquilo que são as opções das estruturas sindicais em termos de estratégia. De alguma forma parece-me muito aquela atitude de “a mãe não dá, vou pedir ao pai”.

O secretário-geral do Sindicato Independente dos Médicos (SIM) disse que este Governo, ao descapitalizar o SNS, foi o Governo que mais fez pelos interesses privados na saúde. Como é que responderia a isto?

Que este Governo não descapitalizou o SNS. É evidente que nós temos hoje mais de dez mil milhões de euros afectos ao orçamento do SNS através do Orçamento de Estado e temos hoje mais de 10.800 profissionais de saúde do que tínhamos no início da legislatura. E este mês adjudicamos uma auditoria às capacidades formativas do SNS.

Mas o recurso aos serviços privados está a aumentar...

Isso não é uma evidência de que o SNS não está a responder às necessidades actuais dos portugueses, que são cada vez mais complexas. Nesta legislatura os tempos de espera aumentaram. É um facto. O que é que está por trás? Temos um aumento da procura. Em média, a procura de doentes por cirurgia cresceu 6% e a procura por consultas hospitalares cresceu 5%. Como é que o SNS se comportou, em relação a isto? Aumentou [a resposta], de 2015 para 2018. O relatório [com os números do acesso] está atrasado, mas até ao final do mês será entregue na Assembleia da República.

Admite repensar ou voltar à exclusividade dos médicos no SNS?

Isso é uma proposta, é uma linha de desenvolvimento que está no programa do atual Governo e que está na lei de bases da saúde...

E que é uma reivindicação dos médicos?

Agora sim.

Quando é que será possível avançar com dados mais concretos?

O primeiro aspeto é a definição daquilo que é o quadro da lei de bases da saúde ainda em discussão. O segundo é a necessidade de avaliação de como é que essa opção iria ser feita e nós estamos a trabalhar nisso. Está a ser constituído um grupo de estudo para esse tema, mas também para o tema dos modelos remuneratórios dos profissionais de saúde. A dedicação exclusiva é apenas um caminho, o que nós precisamos de garantir é que a produtividade melhore. Isso pode-se fazer pela dedicação plena, que não será nunca uma imposição, terá de ser uma opção com valorização remuneratória e não poderá ser uma generalização.

Nunca será algo como, por exemplo, o que acontece com os pilotos da Força Aérea que têm de ficar uns tantos anos no serviço público...

Isso é outra dimensão do tema, a discussão sobre se devemos ou não garantir que os profissionais que são formados no SNS têm um pacto de permanência. Quem faz uma determinada formação obriga-se a permanecer no sistema durante algum tempo.

Mas vai avançar por aí ou não?

Isso é um aspeto que nunca poderia ser anunciado a meio do jogo. Teria de ser apenas para quem estivesse a iniciar o jogo e que tem de ser feito com uma discussão e uma negociação.

Tudo isto parece ser um adiar de decisões difíceis para um próximo mandato.

Não vale a pena estar a discutir na praça pública um trabalho que ainda está em maturação. O mesmo em relação à colocação de vários especialistas de enfermagem...

Está a referir-se à partilha de tarefas entre médicos e enfermeiros? Isso é o que defendia na sua tese de doutoramento, muito polémica.

Não creio que seja tão polémica quanto [era] na altura, quando se começou a falar neste tema entre nós. Por um lado, porque aquilo que são os movimentos noutros países têm sido nesse sentido. E porque as associações públicas profissionais têm feito um caminho relativamente à forma como discutem esse tema.

O que pretende fazer nestes dois meses e meio que faltam para o final da legislatura?

Respondo muito claramente: reforçar o número de assistentes operacionais e assistentes técnicos no SNS.

Tem noção em quanto é que vai conseguir reforçar?

Sim, tenho. Não gostaria de partilhar isso ainda neste momento, mas em termos gerais posso dizer o seguinte: houve já desde que foi a redução do período normal de trabalho para as 35 horas um reforço de enfermeiros e de assistentes operacionais para o SNS. Temos hoje a perceção de que precisamos de reforçar esses números, esses contingentes, sobretudo na área dos assistentes operacionais e dos técnicos, mas também nas outras profissões. Aí foi onde ainda investimos menos. E, portanto, esse esforço tem um impacto financeiro, tem de ser feito com aproximações progressivas, sucessivas e é isso que pretendemos fazer agora. Estamos a falar de duas profissões, sobretudo a de assistente operacional, que é hoje pouco apetecível. Temos dificuldade prática em recrutar gente para os serviços de saúde para trabalhar como assistente operacional, concretamente em zonas como o Algarve, onde outras atividades profissionais são muito mais atrativas. Vamos desistir de o fazer? Não.