Tica. Uma hora e meia de viagem, para quem sai da Beira e segue para norte, na Nacional 6. Uma autoestrada fruto da cooperação com a China, que tornou possível uma ligação por terra entre a Beira e a fronteira com o Zimbabué e que, entretanto, foi reaberta à circulação.
Nos locais onde duas das quatro faixas desapareceram com a força das águas só se circula à vez, em cada sentido. Uma estrada que mais parece uma ponte, em algumas zonas, já que foi construída acima do nível da planície, agora transformada num grande rio com um caudal ainda intenso.
À beira da estrada, em Tica, um edifício dos Caminhos de Ferro. O pequeno jardim frente á entrada principal está coberto de roupa, a secar ao sol.
O edifício foi ocupado por dezenas de pessoas que fugiram das aldeias onde viviam, e ali procuraram refúgio. Têm poucos pertences: algumas panelas e tachos, pequenos fogareiros a carvão, pequenos depósitos com agua, roupa e calçado. Mas falta-lhes a comida e cuidados de saúde.
Joana Cachama está irritada. Está ali, à beira da estrada, mas nem assim lhe levam ajuda. Diz que perdeu "casa, roupa, esteiras. Tudo!".
Mas passa rapidamente à maior preocupação: "O Governo não está a ajudar nada. As pessoas têm fome.As crianças estão a morrer com fome". As que ainda a superam são as mais pequenas, ainda bebés, que ao colo das mães não largam a mama, tentando não perder nenhuma oportunidade para se alimentarem.
Encostado a um dos pilares que sustenta um telheiro do edifício está Domingos Cateano. Mal se consegue ouvir, tantas que são as crianças que por ali circulam e brincam.
Estava em casa, de noite, quando acordou sobressaltado pela entrada repentina de água no quarto. Ele, a mulher e o filho foram levados pela força das águas que galgaram as margens do Rio Púnguè.
"O ciclone destruiu tudo o que eu tinha, a minha casa e a minha família. Estou desmoralizado com tudo aquilo que passámos", diz, emocionado. "A minha esposa e o meu filho morreram. Quando a casa caiu, perderam a vida". Nunca mais os viu.
"Não estamos a ver apoio aqui", sublinha. "Estamos com fome. E sítio para dormir não temos". E, provavelmente, não terão nos próximos tempos.
A passagem do ciclone Idai em Moçambique, no Zimbabué e no Maláui fez pelo menos 762 mortos, segundo os balanços oficiais mais recentes. Em Moçambique, o número de mortos confirmados subiu para 447.