No arranque da presidência portuguesa da União Europeia, Margrete Vestager veio a Lisboa incluída no colégio de comissários que ajustou estratégias para os próximos seis meses. Na pele de comissária da Concorrência, a dinamarquesa batalhou por práticas justas de fiscalidade e respeito pela concorrência por parte das grandes companhias digitais. Em entrevista à Renascença explica outra frente de trabalho, com a implementação das novas Leis de Serviços e Mercados Digitais e a defesa de uma cidadania digital europeia.
Acha que o cidadão europeu tem uma ideia dos seus próprios direitos digitais?
Receio que não. Porque vemos que muitas pessoas sentem que é muito difícil fazer valer seus direitos digitais. Parece algo muito técnico, muito tecnológico e que leva muito tempo. Uma das razões pode ser porque não temos a nossa própria presença. Sabe que por vezes se eu quiser fazer um perfil nalgum lugar, não posso ser "Margrethevestager" porque alguém já usou isso. Então terei que ser "Margrethevestager2347". Essa não sou realmente eu! Penso que quando conseguirmos a nossa própria identidade digital - e vamos propor isso nos próximos seis meses - quando eu puder identificar-me de forma única, essa serei eu, e não outra pessoa. Acho que isso também dá uma sensação mais forte de presença e de propriedade sobre o que realmente está a acontecer por aí.
Qual é o objetivo dessa iniciativa?
O objetivo básico é criar confiança. Por exemplo, uma das minhas paixões é porcelana antiga - não importa que esteja completamente desatualizada e talvez não esteja inteira, mas bonita porque foi feita há muito tempo - e eu quero saber com quem estou a lidar numa plataforma. Eu não quero lidar com alguém que se autodenomina como "egghead237". Eu quero lidar com alguém que se autodenomina, sei lá, Elisa Ferreira! E acho que essa confiança de conhecer com quem estou a lidar e em que você sabe que está a lidar comigo, isso criará um mundo diferente por aí fora. Porque quando você conhece as pessoas, é como olhar nos olhos delas e criar um sentimento fundamental de confiança e também pertencer à parte digital deste mundo em que vivemos.
Um cidadão europeu pode perguntar: porque não cobram mais impostos aos gigantes digitais? Mas é apenas uma questão de cobrar mais impostos' Qual é a sua meta para os próximos meses a este respeito?
Para mim é muito simples, porque é uma questão de justiça fiscal. A grande maioria das empresas trabalham arduamente para obter lucro e com esse lucro pagam os seus impostos. Essa é a regra geral, a maioria das empresas é assim. Têm que olhar para outras empresas que são seus concorrentes em termos de funcionários qualificados, de pessoas inteligentes, de clientes de capital. Empresas que não pagam os seus impostos ao mesmo nível, que não contribuem para a sociedade onde fazem os seus negócios. Portanto, quero poder dizer a todas essas muitas, muitas, muitas empresas que pagaram os seus impostos, que tenham certeza de que os seus concorrentes pagam também os seus impostos.
E podemos contar com essas receitas para essa recuperação económica de que precisamos na Europa?
Sabe, para mim a questão da tributação é sempre demasiado lenta. A direção está certa, não sei quando é que isso vai acontecer, mas pode ter a certeza de que faremos a nossa parte para que isso aconteça.