Portugal e Espanha comprometem-se a estabelecer um caudal diário no rio Tejo, a partir da barragem de Cedillo, com o objetivo de manter os caudais circulantes. Este é um dos acordos ratificados esta quarta-feira, em Faro, na Cimeira Luso-Espanhola, e um dos pontos mais importantes na gestão dos rios partilhados, desde a Convenção de Albufeira, em 1998.
Os dois países assumem também novas regras quanto ao rio Guadiana num regime de caudais mensais: Haverá um “acordo relativo a um regime de caudais mensais no Rio Guadiana na secção de Pomarão, com vista a garantir o bom estado do estuário e a distribuição equitativa dos caudais disponíveis para o uso de ambos os Estados”, lê-se na declaração final da 35.ª Cimeira Luso-Espanhola.
Os dois governos reconhecem a importância de uma boa gestão das bacias hidrográficas internacionais que partilham, designadamente dos rios Minho, Lima, Douro, Tejo e Guadiana, num contexto de falta de água.
Nesta cimeira são assinados 11 acordos, e, entre eles, encontra-se a construção das duas pontes internacionais, uma entre as localidades de Montalvão-Nisa e Cedillo, e a outra entre Alcoutim Sanlucar de Guadiana.
A declaração final da cimeira — que tem 110 pontos — inclui ainda um ponto sobre a ferrovia: aqui não há avanços, apenas a intenção de continuar a promover as ligações rodoviárias e ferroviárias.
Assim, avançam “as novas infraestruturas nos dois países para o transporte de passageiros em Alta Velocidade entre Lisboa e Madrid e, de maneira coordenada, os compromissos assumidos em cada país para as ligações Porto-Vigo e Aveiro-Salamanca, bem como, no âmbito do AVEP e no momento acordado, os estudos de fluxos de mobilidade e as análises custo-benefício para a ligação Faro-Huelva e Porto-Bragança-Sanábria”, lê-se na declaração final da cimeira luso-espanhola, que se realizou esta quarta-feira em Faro.
Espanha quer TGV Lisboa-Madrid em 2030, Portugal dá prioridade a Porto-Vigo
O Governo de Espanha sublinhou o compromisso de ligar Madrid e Lisboa em comboio de alta velocidade em 2030, enquanto o executivo português reafirmou que dá prioridade à linha Porto-Vigo, sem avançar datas.
"O compromisso do Governo espanhol em relação ao AVE [alta velocidade] Madrid-Lisboa é 2030. Insisto, é o compromisso do Governo de Espanha e é o horizonte em que estamos a trabalhar", disse o primeiro-ministro de Espanha, Pedro Sánchez, na conferência de imprensa final da cimeira ibérica que decorreu hoje em Faro.
Sánchez acrescentou que quanto à ligação de alta velocidade Lisboa-Porto-Vigo, "o compromisso do Governo de Espanha", que partilha com o executivo português, "é o ano de 2032".
Já o primeiro-ministro de Portugal, Luís Montenegro, na mesma conferência de imprensa, disse que a prioridade do executivo nacional "é a ligação Lisboa-Porto-Vigo-Madrid".
"É a prioridade do lado português. Já adjudicámos o primeiro troço desta ligação e queremos até antecipar o calendário na medida do possível", disse Montenegro.
O primeiro-ministro acrescentou que "a segunda prioridade é a ligação Lisboa-Madrid via Évora-Badajoz" e, neste caso, "há um primeiro troço que já está no terreno".
"Há a necessidade agora de conciliar a terceira travessia sobre o rio Tejo em Lisboa com a construção da ligação em Évora com a alta velocidade. É um processo que corre em simultâneo com o processo de construção do novo aeroporto de Lisboa", lembrou Montenegro.
"Estamos a trabalhar os dois governos para tentarmos conjugar os calendários de obra de uma e de outra ligação para se poderem executar no mais curto espaço de tempo", acrescentou o primeiro-ministro português.
Sobre outras ligações ferroviárias entre Portugal e Espanha, e em linha com que consta da declaração final da cimeira de hoje de Faro, disseram que serão estudadas as conexões entre Aveiro e Salamanca e entre Faro-Huelva-Sevilha.
Montenegro admite contenção em fronteiras externas da UE, Sánchez pede "discurso positivo"
O primeiro-ministro português admitiu a necessidade de contenção de migrantes em algumas fronteiras externas da União Europeia, enquanto o chefe do Governo espanhol pediu "um discurso positivo" sobre a imigração.
Estas posições de Luís Montenegro e de Pedro Sánchez foram assumidas na conferência de imprensa final da 35.ª Cimeira Luso-Espanhola, que terminou logo em seguida, apenas com uma ronda de perguntas para jornalistas portugueses e espanhóis, em vez das duas inicialmente combinadas.
O primeiro-ministro português foi questionado sobre o anúncio que fez no Congresso do PSD, no domingo, de criar dois centros de instalação temporária de imigrantes em situação irregular, voltando a reiterar que são mecanismos de "acolhimento e de valorização de dignidade das pessoas".
"Temos de dar condições para acolher os que não cumpriram ainda as regras. O desfecho pode ser um de dois: ou a sua regularização ou o retorno às suas origens", afirmou.
Já sobre a política de migrações na União Europeia, Montenegro admitiu que pode ser necessário "fazer reingressar aos países de origem as pessoas que vêm sem nenhum tipo de garantia ou nenhum tipo de regularidade".
"Portugal, não tendo esse problema no mesmo volume e dimensão, tem de ser solidário para perceber que, em algumas fronteiras externas da União Europeia, tem de haver alguma contenção para favorecer o combate aos tráficos ilegais dos seres humanos e exploração das forças de trabalho", disse.
Montenegro defendeu a "coragem na Europa de conciliar todos estes interesses com moderação", repetindo, perante o chefe do Governo espanhol, o lema da política de imigração do executivo PSD/CDS-PP: nem de portas escancaradas, nem de portas fechadas.
Imediatamente em seguida, Pedro Sánchez, também questionado sobre a política migratória da UE, deixou uma consideração geral.
"Penso que há governos europeus que se estão a enganar no foco do debate sobre a imigração, porque o centram em aspetos negativos, estigmatizando o imigrante e identificando a imigração com insegurança", disse.
O chefe do Governo espanhol salientou que a imigração na Europa "o que faz é procurar um futuro melhor, de oportunidades que lhe negam nos países de origem".
"Portanto, penso que é obrigação imperiosa da Europa construir um discurso positivo sobre a imigração", afirmou, sublinhando que o espaço europeu necessita de mão-de-obra para poder continuar a crescer e combater o "inverno demográfico".
Sánchez admitiu que a imigração "tem de ser ordenada, legal e segura, mas tem de haver imigração", manifestando-se contra propostas de centros para imigrantes em países terceiros, porque "não resolvem nada e criam novos problemas".
Espanha e Portugal vão "subscrever carta" a França para garantir "interligação ferroviária"
Antes disso, e durante o discurso final, Luís Montenegro passou em revista os pontos mais importantes da declaração assinada por ambos os países, garantindo que a "gestão partilhada e sustentável dos recursos hídricos" foi o principal assunto deste encontro. "A água é a questão a que temos dado uma prioridade absoluta", assegura, explicando, assim, a escolha do Algarve para a realização da cimeira, onde o Guadiana esteve em destaque.
Apesar de não haver avanços palpáveis na questão da ferrovia, Montenegro agradece ao Presidente do Governo espanhol, Pedro Sánchez, o "empenho" na construção de "duas novas ligações - duas novas pontes - entre os dois países", uma "matéria bloqueada", apesar de haver "financiamento para a sua construção".
"Esta cimeira serviu para o aprofundamento da nossa mobilidade", admite, desejando que tais convergências "se possam desenvolver com o reforço das ligações rodoviárias e ferroviárias", até porque a mobilidade, "em especial na componente ferroviária", é "fundamental" entre Portugal e Espanha e entre a Península Ibérica e a Europa.
Nesse sentido, Montenegro garante que vai "subscrever uma carta", juntamente com Sánchez, "endereçada ao primeiro-ministro de França" para assegurar que a "interligação ferroviária" entre a península e a restante Europa é levada a cabo.
Já no campo da energia, Montenegro também deixou um repto: é preciso "forçar" a França e a Comissão Europeia a cumprirem os "compromissos estabelecidos" com Portugal e Espanha no âmbito das "interconexões energéticas", particularmente as "ligações elétricas".
"Não é admissível que estejamos sempre a defender e a discutir as mesmas matérias quando elas são assumidas como compromisso em documentos solenes, que vinculam os nossos estados. Por isso, não vamos regatear nenhum esforço para forçar - é o termo: forçar - a França e a Comissão Europeia para cumprirmos um desígnio, que é uma das pedras de toque para termos uma economia mais competitiva, mais aberta", reitera Montenegro, que pede para que o que foi acordado seja rapidamente realizado.
"A expressão do papel só faz sentido se sair do papel, se for executado", remata.
Criado prémio luso-espanhol “Magalhães-Elcano”
Os dois países decidiram ainda criar um prémio no âmbito das comemorações do V Centenário da viagem de circum-navegação de Fernão de Magalhães. O prémio luso-espanhol “Magalhães-Elcano”, tem como objetivo reconhecer “pessoas singulares e coletivas, projetos, programas e outras entidades que se tenham destacado no trabalho de aproximação entre os dois países" em áreas como "a ciência, investigação, inovação, educação, construção europeia, globalização para o desenvolvimento sustentável, desenvolvimento territorial e cooperação no domínio transfronteiriço”.
Portugal e Espanha assinam ainda um outro acordo que permitirá regular a pesca profissional e lúdica (lazer e desportiva) no Troço Internacional do rio Guadiana.
Nesta declaração, as guerras na Ucrânia e no Médio Oriente não ficam esquecidas. Os dois governos apelam a um cessar-fogo imediato em Gaza e no Líbano, “recordando o primado do Direito Internacional e o imperativo de proteção das populações civis e do pessoal humanitário”.
“Ambos os Governos deploram a escalada de violência no Líbano e, tal como em Gaza, o número inaceitável de vítimas civis e as deslocações forçadas”, lê-se na declaração final da cimeira.
[Notícia atualizada às 15h57 de 23 de outubro de 2024 com mais detalhes sobre as declarações de Luís Montenegro e Pedro Sánchez]