A comunicação social, ao cumprir o importante papel de denunciar os abusos do poder, contribui ao mesmo tempo para reforçar um dos principais argumentos do discurso populista: a ideia de que a sociedade é governada por uma elite corrupta. Esta generalização perigosa leva a questionar os efeitos do exercício do poder sobre o comportamento dos líderes e, em última análise, a conhecida afirmação de Lord Acton de que o “poder corrompe e o poder absoluto corrompe absolutamente, de modo que os grandes homens são quase sempre maus”.
É correto afirmar-se que, à medida que dispõem de mais poder, os líderes têm comportamentos abusivos e tornam-se corruptos? O poder é causa de comportamentos antissociais ou pode ser um instrumento de desenvolvimento e de promoção da justiça?
As pessoas em posições de poder têm a capacidade de influenciar os outros, as organizações e a sociedade em geral. Podem determinar a forma como as pessoas percecionam a realidade, avaliam as situações e antecipam os acontecimentos. Condicionam os estados emocionais e as decisões dos outros e a forma como agem nos mais diversos contextos. Quer o poder tenha por base a autoridade formal, a competência, o controlo dos recursos ou características de personalidade, as pessoas que dispõem de poder têm a capacidade de condicionar nos outros a forma de pensar, sentir e agir.
Os estudos psicossociais mostram, contudo, a outra face deste processo. O exercício do poder também influencia aqueles que o exercem no conceito que têm de si próprios, dos outros e do mundo que os rodeia. Um dos mais conhecidos efeitos do poder no comportamento dos líderes é a “síndrome de húbris” ou “síndrome de presunção”, estudada por David Owen, médico e ex-ministro dos Negócios Estrangeiros britânico, e pelo psiquiatra Jonathan Davidson. É uma desordem psicológica provocada pela exposição ao poder em que se cruzam elementos da personalidade narcísica e psicopática. Caracteriza-se por uma confiança excessiva em si próprio e pelo sentimento de omnipotência. O mundo é visto como uma arena para exibir o poder e obter reconhecimento.
Os gregos utilizavam o termo para designar a arrogância, o abuso do poder e o desejo de imortalidade, dos que se julgavam iguais aos deuses. Esta síndrome mostra que o poder pode conduzir à crença exagerada nas capacidades pessoais, a subestimar os impactos das ações, tomar decisões imprudentes e desvalorizar o contributo dos outros.
O excesso de autoconfiança e a ideia de que se dispõe de uma influência sem limites leva à desconsideração das pessoas e ao sentimento de impunidade, isso é, à sensação de que se pode praticar quaisquer atos, mesmo ilícitos ou à margem da ética, sem se sofrerem sanções legais ou sociais. Em muitos casos desenvolve-se a crença de que as normas que se aplicam aos outros não obrigam o próprio. Esta crença apoia-se em subtis mecanismos de racionalização que permitem encontrar justificação para as ações violadoras da lei ou da ética, mantendo a “consciência em paz”. É um fenómeno comum que conduz a uma verdadeira “anestesia ética” e que pode ser observado no discurso dos responsáveis quando são confrontados com atos ilícitos.
O poder pode também ser usado com motivos de dominação. Ter comportamentos abusivos, como controlar, oprimir, discriminar ou explorar os outros. O abuso do poder pode ainda incluir formas como o assédio ou a obtenção de vantagens para si ou para os seus, em prejuízo dos outros ou da sociedade. A dominação pode ser alimentada por necessidades de segurança e de prestígio, e está na base das culturas de medo e opressão típicas das autocracias.
Em muitos casos o poder é também um instrumento de autopromoção: a procura do reconhecimento pessoal em detrimento do valor social das ações. Apresentar uma imagem positiva de si próprio para exibir qualidades que podem favorecer a evolução na carreira ou a obtenção de benefícios futuros. As estratégias de autopromoção podem incluir tanto o desempenho de papéis pela visibilidade pessoal que conferem, como a demissão dos mesmos como forma de exibir qualidades como a coragem, a lealdade ou o sentido de responsabilidade. A autopromoção é uma instrumentalização do poder em benefício do sucesso pessoal e profissional, e faz parte de muitas estratégias de carreira.
Um dos efeitos mais importantes associados ao exercício do poder é a forma como pode alterar a perceção dos outros. Muitas pessoas em posições de poder perdem a capacidade empática: não são capazes de se colocar no lugar dos outros, compreender os seus pontos de vista, necessidades e expectativas. Isto leva a tomadas de decisão que são vistas como irrealistas, autoritárias e insensíveis aos verdadeiros problemas sentidos pelas pessoas. A falta de empatia generaliza a ideia de que os decisores desconhecem a realidade concreta, habitam um mundo diferente e fazem parte de uma elite distante do comum dos cidadãos.
A vontade de dominação, o excesso de autoconfiança, o uso de poder para vantagens pessoais e a insensibilidade aos outros são as “más tentações” do poder que criam condições favoráveis aos fenómenos de corrupção. O suborno, o peculato, o tráfico de influências e o nepotismo são algumas formas de utilização do poder para, por ação ou omissão, conseguir vantagens ilegais ou não-éticas, para si ou para terceiros. O poder cria, pois, condições favoráveis a decisões ilegais e a comportamentos não-éticos, com graves prejuízos para a economia e para a credibilidade das instituições. Pode, então, concluir-se que o poder corrompe?
Na verdade, a ideia de que o poder corrompe é uma generalização abusiva. O poder confere capacidade de influência e, sobretudo, revela o sistema de valores de quem o exerce, pondo à prova a sua consciência ética. João Paulo II, Luther King, Mahatma Gandhi, Florence Nightingale e tantos outros, usaram a capacidade de influência para difundir mensagens de paz e unidade, promover a justiça e os direitos humanos e melhorar o bem-estar. O poder também tem “boas tentações” quando cria oportunidades de desenvolver ações a favor dos outros e valor para a sociedade.
O poder é um instrumento que pode ser usado com fins e meios muito diferentes. O ponto crítico reside no sistema de valores que orienta os juízos, as decisões e a ação dos seus detentores. Usar o poder como e para quê? Esta é a questão crucial. É ela que determina como se vai reagir às tentações do poder e aproveitar as oportunidades que ele pode criar para o desenvolvimento da sociedade, se for exercido com ética e responsabilidade.
*Luis Caeiro, Professor da Católica Lisbon School of Business & Economics
Este espaço de opinião é uma colaboração entre a Renascença e a Católica Lisbon School of Business and Economics