Foi com um discurso muito crítico para o PS que Catarina Martins abriu a Convenção do Bloco de Esquerda, que decorre este fim-de-semana em Matosinhos. A líder do BE acusa mesmo o Governo de António Costa de estar a poupar e de ser dos que menos fez pela população em resposta à pandemia de Covid-19. Colocou no PS a responsabilidade por ter fechado a porta a um entendimento por quatro anos, mas deixou a promessa de que o Bloco abrirá outra porta.
“A recusa do PS em aceitar um compromisso de medidas sociais para os quatro anos seguintes mudou os dados da política. Apesar disso, pelo nosso lado, no Bloco nunca desistimos do que propomos e não falamos por falar; não estamos a fazer publicidade de ideias, queremos decisões, não queremos promessas, queremos soluções. Não atuamos por ressabiamento, não temos estados de alma, não ficamos zangados pelo facto de o PS ter fechado a porta a uma solução de estabilidade para quatro anos. É a sua escolha, nós abriremos outra porta. Do que não abdicamos é de conseguir já as medidas que são urgentes para o nosso povo”, afirmou Catarina Martins, que acusa o Governo de perder tempo e tentar poupar dinheiro.
“O governo gaba-se de ter poupado 7 mil milhões de euros dos orçamentos de 2020; o Bloco critica-o por ter sido dos países europeus que menos fez pela sua gente. A última das prioridades era poupar no orçamento quando há tanta gente aflita e que pagou os seus impostos”, afirmou Catarina Martins, num discurso em que prestou contas pelos últimos dois anos do Bloco de Esquerda, justificando as várias posições que o partido tomou, quer nos orçamentos, quer nos estados de emergência.
“Sem as medidas necessárias para o SNS, sem a proteção social e sem a correção dos abusos contra quem trabalha, votámos contra um orçamento que não dava as garantias necessárias à gestão do esforço económico e social contra a pandemia. A política tem que ter esta clareza. Não se pode perder tempo nem recursos nesta emergência que vivemos”, afirmou sobre o Orçamento do Estado para 2021.
“Todas as garantias de políticas sociais nos foram recusadas e só conseguimos a aprovação de uma medida, aliás contra a vontade do PS, quando o parlamento decidiu que não haveria nova injeção no Novo Banco sem uma auditoria que verificasse a conta pedida aos contribuintes”, acrescentou ainda sobre o OE 2021.
Sobre o Novo Banco considerou que o que se seguiu e a recente auditoria do Tribunal de Contas vieram dar razão ao Bloco. “Estamos a ser assaltados enquanto desfilam os depoimentos dos figurões que espatifaram centenas de milhões de euros e que acham que nunca têm que os pagar, confirmando o que o Bloco tem sempre dito: a desigualdade e o privilégio são formas de pilhagem. Desgraçado do nosso país se não tiver quem faça frente a estes irresponsáveis”, afirmou a líder bloquista, acrescentando que só com persistência será possível “evitar novos assaltos”.
A Convenção mais difícil e as críticas ao PCP
Catarina Martins começou o seu discurso com o reconhecimento de que esta “foi a Convenção mais difícil de preparar” desde a fundação do Bloco devido à pandemia e com uma homenagem aos militantes que morreram nos últimos dois anos. Ainda assim, garantiu, foi possível fazer um debate alargado e organizar um encontro em que são cumpridas regras definidas pela Direção Geral de Saúde e que fez questão de distinguir do “o congresso do partido da extrema-direita, onde os campeões negacionistas festejam a sua irresponsabilidade e a sua arrogância”.
E foi pela pandemia que seguiu o discurso, com a justificação de ter viabilizado os estados de emergência e os confinamentos. “Quando tivemos que tomar decisões, não hesitámos, nem poderíamos hesitar. Não fazemos parte do jogo da inconsciência, não somos dos que recusam a emergência por conveniência de discurso partidário, aliás na esperança secreta de que a sua posição nem seja ouvida nem seja aplicada. Percebo que haja setores da direita para quem um euro de lucro vale mais do que uma pessoa contaminada, mas a esquerda é de outra fibra e não troca vidas por negócios”, afirmou Catarina Martins, numa crítica também ao PCP que votou várias vezes contra a renovação dos estados de emergência.
“É verdade que também exigimos mais. Mais profissionais de saúde, mais testes, mais vacinas, mais medidas preventivas. Mais proteção do salário e do emprego. Exigimos que os trabalhadores informais, as domésticas, os estafetas, os da cultura, os imigrantes, que todas essas pessoas que estão desprotegidas passassem a estar abrangidas por apoios sociais capazes. E lutamos por esses direitos ainda com mais insistência precisamente porque a pandemia fez vítimas sociais”, continuou a líder do Bloco, apontando a existência de “ mais de cem mil novos desempregados, tantos novos pobres e a conta está sempre a crescer”.
A culpa é do PS
Catarina Martins lembrou quase que num tom de saudade o acordo com o PS e a cooperação com o PCP para uma “maioria parlamentar apoiada à esquerda”, a chamada gerigonça. “Demos aos trabalhadores e pensionistas uma garantia: agora temos força para vos defender. Quando olhamos para trás, sabemos o que essa viragem representou para o nosso povo. Não nos arrependemos de nenhuma dessas decisões”, recordou.
E, partir daí, passou às culpas do PS por essa maioria não ter continuado a começar pelas declarações de António Costa ao “Expresso” antes das eleições de 2019, em que disse que um Bloco mais forte podia tornar o país ingovernável. Na sua última convenção, antes dessas eleições, o Bloco tinha-se mostrado disponível para uma aliança mais forte que inclusive o levasse a participar no governo.
“No entanto, a recusa do PS em aceitar um compromisso de medidas sociais para os quatro anos seguintes mudou os dados da política”, lamentou Catarina Martins, que garantiu, no entanto, que não atura “por ressabiamento”. E que, por isso, o BE teve uma atitude de colaboração no Orçamento para 2020 e no orçamento suplementar. Mas, depois, acusou, o governo não honrou compromissos.
“Nas discussões com o governo ao longo do ano passado, conseguimos bons compromissos para o SNS. Mas não foram cumpridos. Conseguimos compromissos para os trabalhadores informais, que não foram cumpridos. Conseguimos compromissos para as cuidadoras informais, que não foram cumpridos. E a responsabilidade é de quem não cumpriu. Não foi feito o que tinha que ser feito. Por isso, se nos dizem que basta a palavra dada, lembro que a palavra vale desde que leve a decisões no tempo certo”, acusou Catarina Martins, lembrando a máxima muitas vezes repetida pelo primeiro-ministro de “palavra dada é palavra honrada”
“Sem as medidas necessárias para o SNS, sem a proteção social e sem a correção dos abusos contra quem trabalha, votámos contra um orçamento que não dava as garantias necessárias à gestão do esforço económico e social contra a pandemia. A política tem que ter esta clareza. Não se pode perder tempo nem recursos nesta emergência que vivemos”, justificou sobre o voto contra o OE de 2021
“Este foi o caminho desde a última convenção. Olhemos agora o futuro e o tanto por fazer. A crise pandémica não travou a crise climática e as desigualdades agudizaram-se. Vivemos dias de urgência. Nesta convenção debatemos caminhos para os próximos dois anos. Propostas diferentes em debate, mas uma mesma responsabilidade: a construção de uma resposta de esquerda para vencer a crise, as crises. Num debate franco, participado, intenso, como sempre fazemos”, concluiu a líder do Bloco, que promete continuar a mostrar que “existe uma alternativa à esquerda contra o marasmo”.
[notícia atualizada às 12h09 de 22 de maio de 2021]