A mediação penal não está a funcionar em Portugal, garantem várias fontes ligadas a esta forma alternativa de fazer Justiça, promovida pela União Europeia, e que foi transposta para o direito português em 2008.
A mediação penal visa resolver por acordo, entre o agressor e a vítima, crimes como a difamação, ofensas à integridade física simples, ameaça, burla ou furto. Não podem estar em causa crimes com moldura penal superior a cinco anos ou contra a liberdade ou autodeterminação sexual. Outra das condições para que possa ser aplicada é que as vítimas tenham mais de 16 anos.
“Entre 2008 e 2011, a mediação penal funcionou. Mas a experiência perdeu-se nos últimos anos”, revela o jurista Frederico Moyano Marques, da APAV. A Associação Portuguesa de Apoio à Vítima lamenta que a mediação penal apenas tenha funcionado no período experimental.
O penalista e ex-ministro da Administração Interna Rui Pereira responsabiliza pelo facto sobretudo o Ministério Público, uma vez que o mecanismo é aplicado na fase de inquérito. “A entidade de quem depende a sua aplicação é sem dúvida o Ministério Público, diz Rui Pereira, porque é ele que pode mandar o caso para mediação, por sua própria iniciativa ou a pedido dos sujeitos processuais.” E
será que informa os agressores e as vítimas? O penalista, que coordenada o Observatório e Centro de Competências de Justiça Restaurativa, diz que a “a perceção que tem é que os chamados operadores judiciários são avessos a aceitar estes novos esquemas.”
A mediação penal é uma das modalidades da Justiça Restaurativa, que surge nos Estados Unidos, em meados dos anos 70, sobretudo porque se concluiu que o sistema tradicional desvalorizava a vítima e, em relação ao autor do crime, a cadeia não conseguia evitar a reincidência.
A Justiça Restaurativa coloca frente a frente vítimas e agressores. E pode aplicar-se em várias fases do processo. Nomeadamente depois do julgamento e já em ambiente prisional.
Carlos Barbosa esteve preso durante 18 anos, pela prática de vários crimes, e é hoje um trabalhador e pai de família, porque entrou na cadeia do Linhó num programa de Justiça Restaurativa. O ex-recluso, trabalhador da construção civil e barbeiro nas horas vagas, explica que o método da justiça restaurativa, é “assumir o erro e pedir perdão. Aprendi que temos dentro de nós um cão bom e um cão mau. Durante anos e anos, alimentei o cão mau. Mas agora temos pena, mas ele vai morrer à fome. Quando se está afundado na droga, como eu estive, não se pensa na vítima, só se pensa no dinheiro para a droga. Neste momento, eu só quero é ter uma vida normal.”
Altos índices de satisfação
A aplicação do modelo de Justiça Restaurativa em ambiente prisional é feito no Linhó, Tires e Sinta, pela associação Confiar. O seu responsável, Luís Gagliardini Graça, explica que esta forma complementar de fazer Justiça, “só não é aplicável aos agressores diagnosticados como psicopatas. Há casos de sucesso da Justiça restaurativa em todo o tipo de crimes, incluindo homicídios ou crimes sexuais. Aliás, os estudos internacionais revelam que, quanto mais grave é o crime, mais eficaz é a justiça restaurativa.”
Para o agressor, confrontar-se com o mal que causou à vítima é o caminho para o arrependimento e para não cair na reincidência. E para a vítima, pode ser a melhor forma de obter reparação pelo mal que lhe foi feito. Frederico Moyano Marques explica que “para a vítima pode ser muito importante estabelecer um processo de comunicação com autor do crime, expressar-lhe o impacto, as consequências do ato, colocar lhes algumas questões e nomeadamente: Porquê eu?”.
O jurista da APAV revela que “pela experiência da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima” percebemos que os índices de satisfação das vítimas quer com o processo quer com o resultado da Justiça Restaurativa eram extremamente elevados”.
São declarações ao programa de informação da Renascença Em Nome da Lei que este sábado debateu os resultados da Justiça Restaurativa. Uma forma de fazer justiça muito pouco debatida em Portugal e a que a Justiça tradicional torce o nariz, apesar de ter resultados que falam por si noutros países.
O Em Nome da Lei é emitido aos sábados e à meia noite de domingo.