A Comissão Europeia coloca a Ucrânia na rota da adesão à União Europeia, no primeiro passo de um processo tradicionalmente longo e complexo. A confirmar-se a decisão pelo Conselho Europeu da próxima semana, Kiev passa a primeira "triagem" e acede a uma sala de espera onde há outros países com idênticas aspirações a fazer parte da União. O novo alargamento pode incluir um novo movimento de entradas a partir do Leste e, pelo menos no caso da Ucrânia, beneficia do apoio implícito de países importantes na Europa.
Não foi propriamente uma surpresa e até Ursula Von Der Leyen escolheu vestuário em azul e amarelo para pontuar o momento. A recomendação como país candidato de um país em guerra como a Ucrânia vai encontrar um lote de nações na mesma fila de espera, alguns deles saídos de confrontos igualmente sangrentos na Europa. Em entrevista à Renascença, o professor universitário e especialista em assuntos europeus Paulo Almeida Sande fala num "novo modelo de processos de adesão" mais virtuoso e, no caso da Ucrânia, feito à medida de um país que tem que combater com moral elevada uma potência económica superior.
Esta foi uma decisão mais emocional do que especialmente exigente em relação às condições que a Ucrânia - um país em guerra - tem para entrar na União Europeia ?
Há que separar bem as águas. Esta decisão tem muito a ver com o momento que se vive, com a guerra na Ucrânia. A visita dos líderes das três maiores economias da União Europeia serviu para antecipar essa decisão. Sobre o estatuto de país candidato, aquilo que é dito à Geórgia, que não tem para já essa recomendação da Comissão Europeia, acaba por não ser muito diferente face às restantes recomendações emitidas pela União Europeia - incluindo a Moldávia - onde há medidas que têm que ser tomadas rapidamente. A Comissão Europeia promete analisar de novo os processos no final do ano.
Aqui há claramente uma questão política, a que dar ou não o estatuto de país candidato à Ucrânia. Isso foi o que Zelensky pediu e o que os chefes de Governo de França, Alemanha e Itália vieram dizer ontem. É disso que se trata. O artigo 49 do Tratado da União Europeia implica uma série de considerações muito importantes relativas aos critérios fundamentais da adesão , que têm que ser bem confirmados e justificados. Os países devem não apenas respeitá- los mas devem estar empenhados em promovê-los. É isso que está aqui em causa. Os processos de adesão são normalmente muito demorados como assistimos nos países dos Balcãs Ocidentais.
O que é que ganha a Ucrânia só por chegar ao estatuto de país candidato à União Europeia ?
Este estatuto, tal como foi dito por Zelensky nos últimos dias e horas, representa uma nova alma para os próprios combatentes. Sabem que, a partir de agora, podem aspirar a fazerem parte da família europeia. Tem sido muito constante e repetida esta ideia pelos ucranianos de que a Ucrânia luta, não apenas por si própria, mas também pela Europa e pelos valores europeus. Este estatuto, que tem ainda que ser confirmado no Conselho Europeu da próxima semana, dá um novo ânimo à resistência ucraniana. Essa foi a decisão política, que ontem foi anunciada por três líderes europeus, que hoje foi confirmada pela Comissão Europeia e que o Conselho Europeu poderá tomar na próxima semana. Do ponto de vista russo, representa exatamente o oposto e a Europa volta a afirmar a sua unidade em torno desta questão e desta guerra. Isso tinha ficado em dúvida nos últimos tempos, devido aos problemas económicos que temos vindo a assistir.
É benéfico colocar os países dos Balcãs Ocidentais neste mesmo movimento, dado que estão , nalguns casos, à espera já há muito tempo ?
Essa reflexão é muito interessante. Assistimos a uma onda de adesões entre 2004 e 2013 que, na minha opinião, não foi muito positiva para a Europa. Houve agora uma mudança radical do paradigma dos processos de adesão a que se refere o artigo 49. Não estando ainda a falar da abertura de negociações, capítulo a capítulo - que até é reversível em função da situação do país - hoje estamos a assistir um modelo completamente diferente de processos de adesão, que me parece muito mais prudente.
É um modelo em que se diz que um país está em condições, a sua liderança e o regime respeitam os valores fundamentais da União Europeia, mas que assume que ainda há muito por fazer. Nessa perspetiva, este tratamento diferenciado entre a Geórgia e a Moldávia também se relaciona com um regime que é diferente entre ambos os países. Na Geórgia há alguma confusão em termos ideológicos. A Europa aceita estes dois países - Moldávia e Ucrânia - e depois diz que esta realidade pode ajudar os países dos Balcãs Ocidentais a acelerar o seu processo. Não sei se haverá competição entre eles para ver quem respeita mais depressa o primado da lei e da democracia, nos valores europeus contidos no artigo 2 do Tratado. Mas é mais uma motivação, que ao mesmo tempo pode causar problemas, para países que já há muitos anos estão à espera da adesão e até do aprofundamento de negociações.