O primeiro painel da conferência "Inverno Demográfico em Portugal - O Papel da Imigração" procurou, esta segunda-feira, encontrar soluções para este fenómeno.
Moderado pelo jornalista da Renascença José Pedro Frazão, o painel contou com a participação de Jorge Malheiros, investigador do Centro de Estudos Geográficos (CEG) da Universidade de Lisboa (UL), Eugénia Costa Quaresma, da Obra Católica das Migrações (OCPM), João Teixeira Lopes, do Observatório Social de Vila Nova de Gaia, e Sónia Pereira, do Alto Comissariado para as Migrações (ACM).
Jorge Malheiros começou por contextualizar o conceito de inverno demográfico:
"É uma expressão que tem a ver com o processo de envelhecimento da população pela base, ou seja, a diminuição do número de nascimentos, o que, pelo facto de vivermos mais tempo, faz com que haja mais gente no topo, o que inverte a pirâmide. Há uma perda de vitalidade. Risco, inovação e dinamismo estão associados aos mais jovens. Este envelhecimento tem consequências."
As três dimensões do inverno
Para o investigador, há três dimensões do inverno demográfico em Portugal. Primeiro, o envelhecimento propriamente dito, "um problema global", mas com especial incidência em Portugal. "É mitigável, mas não irreversível. Não vamos rejuvenescer nos próximos tempos", assinalou.
Segundo, a desigual distribuição da população no território: "Portugal é um país assimétrico. No Porto e em Lisboa acontecem mais coisas, o que faz com que as populações mais jovens prefiram lá estar. Podemos reverter em alguns casos. Alguns territórios que perderam população estão a ganhá-la devido à imigração."
Por fim, o declínio populacional. Entre 2011 e 2021, há menos 2,1% de habitantes. Jorge Malheiros salientou que é possível "estabilizar a população e talvez aumentá-la um bocadinho, mas será muito difícil pôr a população portuguesa a crescer muito nos próximos anos".
A demografia tem duas componentes: a natural, que é negativa, e a via do saldo migratório, que é positiva desde a segunda metade da década passada. O investigador do CEG da UL alertou que "há um risco de perda de população se não houver saldo migratório positivo".
"Pensando nas necessidades demográficas e do mercado de trabalho, para manter a população em idade ativa e para satisfazer as necessidades do mercado de trabalho no futuro, precisamos de ter um saldo migratório positivo de 65 mil a 80 mil pessoas por ano até 2060. Vamos continuar a ter pessoas a sair, o que significa que as entradas de imigrantes terão de ser elevadas", explicou.
Emancipação dos jovens adultos
Para João Teixeira Lopes, é "fundamental" que Portugal saiba "receber bem e atrair mais e reter mais também".
Um dos problemas, nesse sentido, é a quantidade de jovens que sai do país. "Não pode haver aqui um excessivo dramatismo", ressalvou o coordenador do Observatório Social de Gaia, pois a economia globalizada proporciona a migração em busca de oportunidades.
O problema, salientou, é que muitos dos jovens que saem "preferiam ficar em Portugal".
"Quando toca o constrangimento, acho que as campainhas devem soar. Isto desregula e desestrutura expectativas. Temos de saber manter essas pessoas cá, mas isso é impossível quando o nosso mercado de trabalho está numa situação de enorme precariedade em relação aos jovens."
João Teixeira Lopes assinalou que, em Portugal, "por causa dos salários baixos, a maioria dos jovens é precarizada contra a sua vontade". Algo que pode "extravasar de múltiplas formas", nomeadamente o descontentamento e o crescimento de movimentos de extrema-direita.
"Temos jovens que não conseguem transitar para a vida adulta. Estão presos em casa dos pais. Como é possível que a idade de saída da casa dos pais seja 34 anos? Estamos a viver uma bomba-relógio de pessoas que se sentem bloqueadas. Estes jovens não conseguem ter casa própria. Hoje não há resposta estruturada para a habitação em Portugal", alertou.
O coordenador do Observatório Social gaiense defendeu uma regulação do mercado, de forma a proporcionar melhores oportunidades aos jovens:
"Este mercado tem de se regular. Precisamos de construir nova habitação e de ter um mercado de arrendamento não só para as classes populares, mas também para as classes médias. Temos jovens que não conseguem emancipar-se e sair de casa dos pais e que não conseguem ter uma perspetiva no mercado de trabalho. É um problema muitíssimo grave."
Centralização não, capilaridade sim
João Teixeira Lopes assinalou que o facto de Portugal ser "altamente centralizado e com pouca capilaridade social das instituições contribui para que os desequilíbrios demográficos se façam sentir de forma muito acentuada no território".
Por um lado, falta processo regional, segundo o coordenador do Observatório Social de Vila Nova de Gaia: "É fundamental que existisse e se cumprisse o desígnio constitucional, o que não me parece que vá acontecer. Não só a regionalização, mas cada vez mais o trabalho em rede das autarquias."
Por outro, existem "um problema gravíssimo" de degradação das instituições públicas, a nível de recursos humanos. Um exemplo é a receção aos emigrantes: há cerca de 300 mil pessoas à espera de legalização, revelou João Teixeira Lopes.
"A lei é generosa a uma manifestação de interesse em estatuto legal, mas, devido à falta de recursos humanos, temos no limbo 300 mil pessoas, o que as vulnerabiiliza a todo o tipo de situações de atropelo dos direitos humanos, como tráfico de seres humanos. Tendo em conta que cada técnico demorará dez minutos a apreciar cada processo, demoraremos dois a três anos a permitir que estes processos corram", advertiu.
Serviços são lentos e falta inclusão
Na opinião de Eugénia Costa Quaresma, Portugal tem "uma boa lei" para acolhimento dos imigrantes. "O que falha são os serviços", argumentou.
"A morosidade dos nossos serviços deixa muita gente em dificuldade. Muita gente tem a vida suspensa e dificuldades em ser autónoma, pelo que precisa de pedir ajuda aos serviços. Se tiverem a vida em ordem e oportunidades de trabalho, não precisarão de pedir ajuda", elaborou.
As prioridades estão interligadas. O acolhimento "é o primeiro passo, mas também está ligado a questões legislativas, que por vezes funcionam como obstáculo", para a diretora do OCPM.
"Depois, é urgente trabalhar as questões da inclusão social. A questão da cidadania. Reconhecer o outro como um cidadão com direitos e com deveres. Trabalhar esta inclusão é exigente. Passa pela escola, pela saúde, por melhorarmos os nossos serviços. Há uns anos, eu dizia que o migrante é o irmão que nos vem ajudar a arrumar a casa. Eles evidenciam as nossas falhas, mas ajudam-nos a construir e a reconstruir. Portanto, acreditar nisto e investir", reforçou.
O problema da habitação
Eugénia Costa Quaresma defendeu, também, a importância da garantir habitação e condições de habitabilidade aos imigrantes.
Sónia Pereira realçou que a habitação é uma área em que Portugal tem "investido muito, quer no contacto com as autoridades, quer com as empresas".
"Portugal precisa de se posicionar nas imigrações. Temos de garantir que o alojamento responde às necessidades dos trabalhadores migrantes. Há exemplos muito positivos de empresas que têm procurado essas soluções, o que é fundamental. Para além de reconhecermos a relevância das migrações, temos de olhar para as necessidades específicas dos trabalhadores estrangeiros", detalhou.
A habitação é um dos fatores para que a imigração aconteça em condições dignas e sem atropelo de direitos, salientou a alta-comissária para as migrações.
"Devemos trabalhar com as migrações na nossa sociedade contemporânea e com respeito pelos valores que nos unem hoje. Portugal tem vindo a desenvolver planos estratégicos. É através desta política pública que se vão reunindo condições e formas de trabalhar. O plano nacional resulta do nosso compromisso com os princípios e objetivos com o Pacto Global para as Migrações", assegurou.
Acesso a informação e à língua
O primeiro desafio de qualquer imigrante, ao entrar num novo país, e a regularização. Para isso, "é fundamental que as pessoas tenham acesso a toda a informação necessária mal chegam".
"A lei portuguesa foi alterada para facilitar o acesso a esta informação. Durante a pandemia, vários procedimentos de regularização ficaram pendentes no SEF [Serviço de Estrangeiros e Fronteiras]. Passada a pandemia, é necessário regularizar todas essas situações. É um processo de transição com os seus próprios constrangimentos", explicou.
Um dos constrangimentos é o processo de extinção do SEF, que, segundo Jorge Malheiros, "é excelente, mas a forma como foi conduzido deixa enormes dúvidas".
"Tenho dúvidas de que as coisas vão correr bem. Espero, daqui a dois anos, dizer que estava enganado. A futura agência não significa maior governamentalização da imigração? Tem de se articular muito, dando mais espaço e apoios à sociedade civil para intervir, a nível municipal e nacional. Há uma falha de mobilização da sociedade civil", interveio.
De volta a Sónia Pereira, outra componente urgente da receção aos migrantes que deve ser reforçada é a oferta formativa da língua portuguesa.
"Recentemente, foi lançado um inquérito para junto dos formadores destes cursos, poder avaliar a forma como estão a ser implementados, as lacunas e necessidades, para melhorar o trabalho desenvolvido. Aprendizagem da língua portuguesa é um mecanismo fundamental para acesso a informação, conhecimento de direitos e integração no mercado de trabalho", detalhou.
"Não há varinha mágica"
Chamado a oferecer possíveis soluções para o inverno demográfico português, Jorge Malheiros assumiu que "não há varinha mágica", contudo, deu algumas sugestões para lidar com o problema.
"Vamos envelhecer, inevitavelmente. Temos de acelerar o processo, que é aprender a viver com uma população mais grisalha. Significa trabalhar as relações intergeneracionais, alterar o quadro da transição da vida ativa para a vida não ativa, investimento contínuo na saúde dos idosos", exemplificou.
O investigador da Universidade de Lisboa referiu que "não é um drama ter um declínio demográfico limitado".
"Pode haver alguma perda, especialmente nas zonas interiores, em que também pode haver maior qualidade de vida. Não podem é ser generalizadas, com um envelhecimento brutal, e durante 60 anos. Temos de aprender a viver com gente mais envelhecida e com o crescimento demográfico reduzido e com a qualidade que oferece em áreas com menor população. Não podemos permitir que a regressão seja tão grande que tenhamos qualidade de vida mas não haja gente para aproveitar."
Jorge Malheiros ressalvou que as próximas gerações não vão ter muitos filhos. Importante é aproximar a natalidade desejada, ou seja, quantos filhos querem ter, da natalidade efetiva.
Também é crucial, adicionou, trabalhar a emigração, de forma a reter mais os jovens nacionais e os jovens dos imigrantes em Portugal.
"Há muitos que não querem sair, mas há bastantes que querem sair, porque hoje em dia as pessoas têm mais mundo e querem ir lá fora conhecê-lo. É fundamental arranjar forma de que regressem a dada altura ou manterem o contacto com Portugal e poderem contribuir para o país à distância, sobretudo com as novas tecnologias. É possível estar lá fora e contribuir económica, cultural e tecnologicamente para o país", assinalou.
Masculinização e reagrupamento de famílias
A nível de imigração, Jorge Malheiros sugeriu a remoção da cláusula da reciprocidade do Artigo 15 da Constituição Portuguesa.
"O artigo 15 exige a reciprocidade para que os estrangeiros possam votar ao fim de algum tempo devia ser removido. Não tem sentido", declarou.
Nos últimos anos, "os fluxos migratórios masculinizaram-se", o que quer dizer que, mais tarde, "haverá reagrupamento familiar".
"Temos de antecipar o futuro. Significa trabalhar, desde já, mais ainda com as escolas. A questão da língua é para os imigrantes adultos, mas também para as crianças imigrantes nas escolas. É um desafio e tem de ser trabalhado desde já", sublinhou.
Eugénia Costa Lopes também falou das dificuldades culturais na integração, nomeadamente a cultura do trabalho, "o tipo de trabalho que se apresenta e que nem sempre está de acordo com as habilitações".
"Há alguns que vêm com alguma qualificação e têm dificuldade no reconhecimento das suas habilitações", alertou.
Como contrariar o preconceito
Eugénia Costa Quaresma referiu, também, que urge "trabalhar mentalidades, o preconceito, o acolhimento". Nesse ponto, destacou o trabalho das escolas.
"Há escolas com projetos que estão a conseguir integrar, há escolas que dizem ‘venham pouquinhos de cada vez e conseguimos acolher’. Há esta exigência de, quando estamos perante o diferente, ir ao encontro, mas também permitir que o outro se aproxime", realçou.
João Teixeira Lopes concordou que é necessário criar uma cultura de mediação e construção de pontes.
Nesse sentido, será importante criar uma rede de mediação interinstitucional, não só nas escolas, mas também nos serviços públicos, "para integração dos migrantes, nas questões linguísticas e culturais, para resolver equívocos culturais e promover a interculturalidade".
"A rede de mediadores implica algum grau de formalidade, com maior formação e maior presença nas instituições públicas, mas descentralizadas, nos territórios. Deve ter formalização e credencialização. Criar rede com institucionalidade e capilar", referiu.
Sónia Pereira respondeu que o trabalho em rede e a capilaridade fazem parte da forma como é trabalhada a integração.
"Em 2013 tínhamos 15 centros locais de apoio à integração, agora temos 157. Esta rede permite a partilha de experiências e contactos", afirmou.
Ainda no âmbito da abolição de preconceitos, João Texeira Lopes vincou: "Nós, portugueses, vamos reformulando e reconstruindo a nossa forma de estar no mundo através dos contactos com os outros que estão na nossa própria sociedade."
O coordenador do Observatório Social de Vila Nova de Gaia defendeu que a própria comunicação social deve "fazer um esforço no sentido de não repetir o estereótipo, o lugar-comum e a estigmatização".
Jorge Malheiros acrescentou que o objetivo é que "os imigrantes sejam 'mainstream'".
"Para além da administração multinível, tem de haver uma lógica sectorial das políticas. Tem de haver uma convergência entre a política municipal e as políticas locais. Queremos que nós e os imigrantes sejamos iguais na sociedade", disse.
Políticas de todos e para todos
Eugénia Costa Quaresma também destacou o "papel de proximidade fundamental" das autarquias para o acolhimento de imigrantes.
"Escutar, estar próximo, dar algumas respostas na questão da legislação, do emprego e ajudar a desbloquear. Há empresas que querem empregar, mas, pela questão da documentação, têm medo e não empregam, por isso, é preciso desbloquear as questões da documentação", exemplificou.
Sónia Pereira garantiu que, muito em breve, haverá novos recursos para investir na dimensão da política pública local para a integração de imigrantes.
"É muito importante a necessidade de não tratar das migrações como algo separado das restantes questões da política pública a nível local. A Rede Integrar procura melhorar a articulação em rede entre municípios com as instituições públicas e a participação da sociedade civil. O trabalho de integração de migrantes tem de ser intersetorial e convocar as várias autoridades competentes", disse.
A concluir, a alta-comissária para as migrações assinalou que a realidade migratória "ainda é uma novidade em Portugal e intensificou-se muito nos últimos anos, com a intervenção de vários atores".
"A abordagem tem sido feita por todo o Governo e toda a sociedade", concluiu.