Papa condena "muros do medo" e apela à paz na ilha dividida entre turcos e gregos
02-12-2021 - 17:02
 • Filipe d'Avillez

O Papa insiste que só o diálogo, e não uma cultura de vetos e hostilidade, pode trazer a reconciliação entre os povos.

O Papa Francisco fez esta quinta-feira um forte apelo pela paz entre turcos e gregos em Chipre, durante um discurso às autoridades civis e políticas.

A ilha está dividida há décadas, desde que forças turcas invadiram a metade da ilha maioritariamente habitada por muçulmanos de etnia turca. Seguiu-se a deslocação em massa de turcos para a parte norte da ilha e de gregos para a parte sul e a ilha vive dividida desde então.

Falando das várias dificuldades que os cipriotas enfrentam, desde a imigração ilegal à queda da indústria turística por causa da pandemia, o Papa disse que “a ferida que mais faz sofrer esta terra, é causada pela terrível laceração que padeceu nas últimas décadas. Penso no sofrimento interior de quantos não podem voltar para as suas casas e locais de culto. Rezo pela vossa paz, pela paz de toda a ilha, e almejo-a com todas as forças. O caminho da paz, que sara os conflitos e regenera a beleza da fraternidade, está marcado por uma palavra: diálogo.”

“Sabemos que não é uma estrada fácil; é longa e tortuosa, mas não há alternativa para se chegar à reconciliação. Alimentemos a esperança com a força dos gestos, em vez de esperar em gestos de força”, pediu o Papa.

A rivalidade que ainda se sente entre Chipre e a Turquia, com os cipriotas a vetar sistematicamente qualquer aproximação da União Europeia a Ancara e a Turquia a dificultar a vida aos cipriotas no plano diplomático. Francisco criticou a cultura do veto e pediu que se pense nas gerações vindouras.

“Pense-se nas gerações futuras, que desejam herdar um mundo pacificado, colaborador, coeso, não habitado por rivalidades perenes e poluído por disputas não resolvidas. Para isso serve o diálogo, sem o qual crescem a suspeita e o ressentimento.”

Não serão os muros do medo e os vetos ditados por interesses nacionalistas que ajudarão o seu progresso, nem a recuperação económica por si só poderá garantir a sua segurança e estabilidade”, disse Francisco.


Chipre, pérola do Mediterrâneo

Durante o seu discurso às autoridades Francisco comparou a ilha de Chipre a uma pérola, recordando que apesar da sua enorme beleza, as pérolas nascem das dificuldades, “quando a ostra ‘padece’ depois de ter sofrido uma visita inesperada que mina a sua incolumidade, como, por exemplo, um grão de areia que a irrita. Para se proteger, reage assimilando aquilo que a feriu: envolve o que é perigoso e estranho para ela e transforma-o em beleza, numa pérola”.

Assim é a história de Chipre, conclui Francisco, que deve assimilar as dificuldades, transformando-as em riqueza. Para isso, diz o Papa, ninguém pode ficar de fora.

“Mesmo hoje a luz de Chipre tem muitas tonalidades: muitos são os povos e as raças que, com cores diferentes, compõem a gama cromática desta população. Penso também na presença de muitos imigrantes, a percentagem mais significativa entre os países da União Europeia. Guardar a beleza multicolor e poliédrica do conjunto não é fácil; requer, como na formação da pérola, tempo e paciência, exige um olhar amplo que abrace a variedade das culturas e se incline para o futuro com clarividência.”

O Papa aproveitou para pedir uma melhora das relações entre o estado e a minoria católica no país. “Neste sentido, é importante tutelar e promover todas as componentes da sociedade, de forma especial aquelas que são estatisticamente minoritárias. Penso também nos vários entes católicos que poderiam beneficiar dum oportuno reconhecimento institucional, de modo que o contributo prestado à sociedade através das suas atividades, nomeadamente educativas e caritativas, esteja bem definido sob o ponto de vista legal.”

Nesta sua visita às autoridades civis, Francisco começou por sublinhar a história cristã de Chipre, terra evangelizada em tempos apostólicos por São Barnabé e São Paulo.

“Vim como peregrino a um país geograficamente pequeno, mas grande pela história; a uma ilha que ao longo dos séculos não isolou as pessoas, mas interligou-as; a uma terra cuja fronteira é o mar; a um lugar que assinala a porta oriental da Europa e a porta ocidental do Médio Oriente. Sois uma porta aberta, um porto que une: Chipre, encruzilhada de civilizações, traz em si a vocação inata ao encontro, favorecida pelo caráter acolhedor dos cipriotas”, disse o Papa.

Este foi o último acto público do Papa neste primeiro dia de visita a Chipre. Na sexta-feira o Papa celebra missa com a comunidade católica pela manhã, depois encontra-se com os líderes da Igreja Ortodoxa e, por fim, preside a uma celebração ecuménica centrada nos migrantes.

No sábado Francisco viaja para a Grécia, onde fica mais dois dias antes de voltar, na próxima segunda-feira, para Roma.