Ignoremos a espuma do tempo. A demissão de Pedro Nuno Santos culmina um ciclo de 10 demissões em nove meses de maioria absoluta e revela um governo preso em casos e casinhos, sem planeamento político e sempre em reação.
Os erros sucedem-se, as explicações atropelam-se e as suspeitas crescem, pois em cada caso fica sempre a dúvida de que algo continua mal explicado. O caso da TAP e da Secretária de Estado do Tesouro é exemplar do marasmo em que o Governo se encontra, tal como foi o caso do Secretário de Estado adjunto do Primeiro-ministro, Miguel Alves, que também se demitiu.
Apesar das explicações sucessivas, nunca por iniciativa própria do governo, a verdade parece sempre escondida. No caso da TAP, continuamos ainda no escuro: qual a responsabilidade do Ministro das Finanças neste caso? Qual a responsabilidade do Primeiro-ministro neste caso? É aceitável acreditarmos que de nada sabiam? Como fica a administração da TAP que não terá dito a verdade à CMVM, Comissão do Mercado de Valores Imobiliários? Será obrigatório seguir-se a sua demissão/exoneração?
Um segundo ponto de espanto é o que estes casos sucessivos vão revelando. Fala-se de milhares de euros como se fossem feijões: eram 300 mil euros para um “Centro de Congresso Transfronteiriço” em Caminha, são agora 500 mil euros de uma indeminização, que pode ser legal, mas que está envolta num conjunto de dúvidas que revelam pouco escrutínio na hora de gerir dinheiros públicos ou de empresas em que o estado é acionista.
Mas revelam mais. Revelam uma distância enorme de quem anda nos metros, nos comboios, na Carris ou na STCP, de quem se levanta às 5h00 para ir trabalhar, de quem ganha o ordenado mínimo, ou de uma classe média que vê os juros do crédito a habitação a subir de forma perigosa, ou ainda de uma massa enorme de trabalhadores que não descolam dos 900 ou mil euros mensais, ou…
Os políticos não estão a perceber a cerca em que se estão a fechar. E digo políticos, pois se desviarmos um pouco os olhos do governo, o panorama também não é famoso: o Presidente da República desvaloriza a palavra e a sua magistratura de influência com declarações permanentes sobre tudo e sobre nada; o principal partido da oposição deixa sempre o protagonismo do primeiro tempo ao Chega e, à esquerda, nada de novo: as mesmas receitas de sempre com cada vez menos capacidade de mobilização – veja-se o que se passa na educação, com o protagonismo da contestação a fugir aos sindicatos tradicionais.
A espiral de polémicas em que o governo está envolto, a ausência de um programa de reformas e a luta pela sucessão de António Costa, captura a atuação do executivo e está a conduzir o país a um marasmo.
A corte está cada vez mais distante das pessoas e sempre que isto acontece, a democracia sofre e os populismos revigoram-se.