Os cidadãos não sabem, mas provavelmente até os especialistas desconhecem a real dimensão populacional do universo de portugueses que vivem em zonas que podem sofrer cheias e inundações.
Dados divulgados recentemente pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA), para a aprovação dos planos de gestão de riscos de inundação, apontam para 105 mil pessoas em 63 localizações sensíveis em Portugal Continental.
"São bastantes mais do que isso. Mais do que 100 mil vivem apenas território compreendido pela Área Metropolitana de Lisboa, Oeste, Lezíria e Médio Tejo. Portanto, sem o Algarve, o Norte e o Mondego, só neste território, são mais de 100 mil pessoas", afirma José Luís Zêzere, geógrafo da Universidade de Lisboa, no programa "Da Capa à Contracapa" da Renascença.
Este perito afirma ser difícil estimar o universo de portugueses expostos a estes riscos, mas contabiliza mais do que as 63 localizações que constam dos mapas oficiais.
"Dou-lhe três ou quatro exemplos de locais não identificados: Rio Jamor, Ribeira da Laje, Ribeira das Vinhas, Rio Grande da Pipa. É um mau princípio de abordagem considerar que aquele mapa tipifica e representa todas as áreas do país onde podem haver cheias e problemas sérios", insiste o geógrafo do Instituto de Geografia e Ordenamento do Território da Universidade de Lisboa.
José Luís Zêzere recorda que a amostra desta avaliação baseou-se em ocorrências verificadas entre 2011 e 2018. "Estamos a falar, desde logo, de anos secos. O último ano em que choveu a sério em Portugal foi em 2001", contrapõe o geógrafo da Universidade de Lisboa.
Zêzere considera que uma amostra de sete a oito anos é muito curta como base para planear a resposta a episódios muito graves como os de Valência, em Espanha, que acontecem de forma mais espaçada no tempo.
"As situações extremas, como aquelas que se verificaram em Valência, há 15 dias, não ocorrem todos os anos, nem em períodos de 10 anos. Têm um período de retorno mais elevado. E essas são as situações para as quais todos temos que nos preparar todos, do ponto de vista do ordenamento do território e do planeamento de emergência."
O geógrafo defende que os portugueses têm o direito de saber se vivem em zona de risco.
"A boa governação territorial e do risco começa por aqui. Estas pessoas têm de ser informadas disto. Pode ser duro dizê-lo, mas as pessoas não sabem. E têm o direito de saber", conclui José Luís Zêzere no programa "Da Capa à Contracapa" da Renascença, onde se debateu a resposta a cheias e inundações de grandes dimensões em Portugal, com a participação ainda de Mário Silvestre, 2.º Comandante Nacional de Emergência e Proteção Civil.