João Rendeiro já chegou ao tribunal na África do Sul, mais especificamente em Verulam, onde vai ser ouvido. Estava fugido à justiça há três meses e as autoridades portuguesas reclamam agora a sua extradição para cumprir pena em Portugal.
À entrada para o tribunal, onde estará em representação do Estado português, o Manuel Grainha do Vale, da embaixada portuguesa, disse aos jornalistas que a forma como correu esta operação revela as boas relações entre os dois países. "Temos a louvar a atuação das autoridades suil-africanas, que foram muito diligentes neste processso. Isto reflete a boa relação que há entre a África do Sul e Portugal."
Da parte da defesa, a advogada June Marks diz que não pode adiantar a estratégia que vai adotar e deixa antever que o processo está apenas a começar. "Não é possível dizer muito mais agora porque as nossas primeiras audições parecem ser muito diferentes das vossas primeiras audições. Ainda vamos perceber muito mais sobre isto. Mas, para já, não vos posso revelar a nossa estratégia. É a primeira audição, um processo sul-africano, que ocorre 48 horas depois da detenção e muito pouco é decidido para além dos próximos passos."
Nesta fase, trata-se de saber se o ex-banqueiro vai ficar preso de forma provisória, a aguardar o desenrolar do processo, ou se poderá ficar em liberdade. O antigo presidente do Banco Privado Português vai ser ouvido por um juiz do Tribunal Judicial de Verulam, a cerca de 30 quilómetros de Durban, na região onde foi detido no passado sábado.
Rendeiro foi surpreendido pela polícia sul-africana num hotel dos arredores de Durban, próximo da praia, e desde então tem estado numa cela.
A questão da extradição não ficará resolvida já esta segunda-feira e, segundo os especialistas, pode até levar semanas ou mesmo meses.
"A primeira fase é de validação da própria detenção, porque um juiz pode entender que a detenção não cumpriu as regras legais. Imaginando que isso não sucede, que não há nenhuma ilegalidade na detenção, passar-se-á com certeza a um interrogatório em que será colocado ao detido a questão de saber se tem alguma coisa a opor-se à detenção em si mesma e ao propósito que motiva essa detenção, que seria a extradição. É um primeiro momento em que o interrogado tem a possibilidade de dizer algo sobre essa detenção e sobre o processo de extradição", explica o penalista Paulo Saragoça da Matta.
Caso o juiz valide a detenção inicia-se o interrogatório para saber o que é que o ex-banqueiro tem a opor à detenção e à eventual extradição. Depois, o juiz irá fixar as medidas de coação e só aí se ficará a saber se vai ou não continuar detido.
Nesta primeira fase João Rendeiro pode ficar em detenção temporária durante 20 dias, embora esse período possa ser prorrogado. Durante este período, a Procuradoria-geral da República enviará o pedido formal de extradição e é na sequência disso que a Justiça sul-africana irá decidir.
O processo pode ser mais rápido se o próprio João Rendeiro aceitar a extradição, o que não é de excluir, caso a alternativa seja ficar encarcerado numa prisão na África do Sul.
"A Convenção de Extradição concede um prazo previsível inicial, que pode ser prorrogado, de 20 dias, e nesse período terá de ser apresentado um pedido formal das autoridades portuguesas. Será uma carta rogatória a pedir a extradição deste detido para Portugal. Supostamente estará já assinado o expediente por parte da senhora procuradora-geral da República, visando essa mesma extradição, por isso nem será preciso esperar esse prazo tão longo, e aí é que se inicia verdadeiramente o processo de extradição, porque tendo presente esse pedido, sobre o mesmo se poderá pronunciar a defesa que pode entender que a salvaguarda dos melhores interesses da mesma é aceitar a extradição, caso em que a extradição seria muitíssimo rápida. Havendo oposição, a partir daí depende das fases do processo propriamente ditas, mas dependerá muito do comportamento das partes", diz Paulo Saragoça da Matta.
"Haverá, no final desta fase inicial, a decisão do tribunal em conceder ou não a extradição. E é nesse momento em que se abre para ambas as partes, a justiça portuguesa versus João Rendeiro, a possibilidade de recorrerem, consoante seja favorável ou não. Esse recurso é possível tanto para a defesa, se for concedida a extradição, quer para o Estado português, caso não seja concedida. A decisão do tribunal superior é que não é passível de recurso."
"Mas imaginando uma situação em que não é concedida a extradição, situação que me parece pouco plausível, Portugal tem a possibilidade de pedir à justiça sul-africana, que então faça o cumprimento da pena nas suas instalações presidiárias", acrescenta o penalista.
Contudo, caso o ex-banqueiro venha para Portugal, é para entrar diretamente na cadeia, porque já se tornou definitiva uma das três penas de prisão a que foi condenado. Neste caso, uma pena de cinco anos e oito meses por crimes de falsidade informática e falsificação de documentos, relacionados com adulteração da contabilidade do BPP em mais de 30 milhões de euros e ocultação ao Banco de Portugal.
Há depois outras duas condenações a que já foi sujeito, uma de três anos e seis meses de prisão por crimes de burla qualificada e outra de 10 anos por fraude fiscal, abuso de confiança e branqueamento de capitais, mas estes dois últimos processos ainda estão em recurso.
O ex-presidente do extinto Banco Privado Português foi condenado em três processos distintos relacionados com o colapso do banco, tendo o tribunal dado como provado que João Rendeiro retirou do banco 13,61 milhões de euros.
O colapso do BPP, em 2010, lesou milhares de clientes e causou perdas de centenas de milhões de euros ao Estado.
[Notícia atualizada às 08h25]