Não temos Estadistas nem governantes… e só queríamos melhores condições de vida
14-08-2023 - 06:30
 • Rute Xavier

Não podemos ter um Estado que nos torna, como sociedade, dependentes, um Estado aparentemente generoso, mas caritativo e assistencialista, que pretende controlar tudo e todos.

O que pretendemos atualmente dos nossos governantes? Exatamente alguém que nos conduza a uma sociedade livre, igualitária e justa. Seja qual for o partido não é com esmolas que se defende uma sociedade justa. Vemos hoje em dia a satisfação de pessoas porque recebem um cheque-dentista ou um cheque-livro escolar. Ou porque tiveram uma compensação pelos baixos rendimentos.

Mas é o que temos… estamos a tornar-nos, cada vez mais, um povo que se contenta com pouco. E que vai permitindo que se ganhem eleições com as esmolas que vão sendo dadas.

Esmolas e mais esmolas

Dando alguns exemplos: o cabaz IVA 0 é areia até para as famílias mais pobres. As famílias e pensionistas não viram a sua mesa mais completa por esta medida temporária. Precisamos de uma medida não temporária e mais profunda, que permita que as famílias tenham capacidade de continuamente adquirir bens básicos de alimentação. O que podem esperar os governantes que aconteça para que esta medida (apesar de extremamente reduzida) deixe de ser necessária? Para que as famílias possam adquirir os bens essenciais? Só antevejo necessidades continuadas, e esmolazinhas de boa-vontade…

O apoio extraordinário às famílias é outro exemplo. Quem recebe agradece, mas não faz uma diferença significativa às famílias. São medidas temporárias. O que se espera que se altere para que deixem de ser necessárias? Mais uma vez, antevejo necessidades continuadas e esmolazinhas de boa-vontade…

E muitos outros exemplos se poderiam referir. Não se podia fazer mais? Por que não? Mais que não seja, a inflação está a trazer aos cofres estatais bem mais do que isto, permitindo mais benefícios às famílias.

Pequenos sinais que apenas parecem boas notícias

As pensões aumentaram 3,57%. Parece uma boa notícia (e não é má). Mas se virmos que a pensão média é de 550 euros, este pensionista passa a receber mais 20€. Pode ser importante para estas pessoas. Mas é pouco. Muito pouco para se sobreviver. Uma esmola.

A alteração das tabelas de IRS fazem a maioria das pessoas sentir que recebe um pouco mais no final de cada mês. Até fica satisfeito com a medida. Mas o Estado não lhe está a dar absolutamente nada. O cálculo do IRS é feito anualmente. E a maioria das pessoas vai ficar surpresa quando fizer a declaração do IRS e tiver um reembolso menor, ou tiver até algum valor a pagar. Não está a ser dado absolutamente nada às pessoas. Mas enquanto as pessoas forem sentindo que sim, estão embriagadas pela ilusão. Neste caso nem chega a ser uma esmolazinha de boa-vontade…

Medidas estruturais

Não me lembro da última grande medida estrutural que Portugal tenha implementado. Lembro-me de algumas, mas já com alguns anos. Atualmente perguntamos por que não se investem recursos financeiros, políticos e do Estado para por em prática medidas essenciais (há já muitos anos que são essenciais).

Medidas estruturais (com PRR, com orçamento etc.) são urgentes na área da Saúde (o SNS parece uma manta de retalhos, com falta de hospitais - ou hospitais a fechar e urgências a fechar - com falta de médicos, com falta de equipamentos e estruturas), da Justiça (o custo e tempo da justiça não são

compatíveis a uma sociedade livre e eficiente), da Educação (vê-se a piorar os níveis de educação de ano para ano). Claramente um país estruturalmente pior ano após ano.

Consequências de investimentos contraditórios

Um país com tantas necessidades é sufocante vermos o desperdício de dinheiro que temos com medidas num sentido e após muito pouco tempo, em sentido diametralmente oposto.

Veja-se a TAP. Afastando-nos das vicissitudes que têm acontecido, e olhando para a história recente, vimos há uns anos investimentos (enormes) na privatização. Passados poucos anos vemos o esforço financeiro (de todos nós) na reaquisição por parte do Estado e agora, vamos novamente privatizar a empresa…parece um jogo de quem não sabe o que anda a fazer…

Veja-se o Alojamento Local: Primeiro assistimos, há poucos anos, à concessão de benefícios e flexibilização legislativa, fomentando este tipo de investimento (e até com benefícios para o Estado no sentido de eliminar a economia paralela dos alugueres temporários não registados e não declarados). Entretanto, tornou-se popular a política contra o Alojamento Local, o Estado começou a penalizar este investimento…e não o futuro, mas o investimento já realizado. Afasta-se assim os investimentos, como se não precisássemos dele. Os resultados que vemos é apenas o afastamento de investidores neste mercado. Não assistimos à diminuição de turistas no centro das cidades (como se fosse esta a intensão), nem ao aumento da disponibilidade de habitação para moradores permanentes nas cidades…um jogo de quem não sabe o que anda a fazer….

Não é possível viver-se com os ordenados existentes. Sobrevive-se. Mas insistimos em culpar os empresários pelos parcos vencimentos. É preciso que todos nós, enquanto animais com capacidade para pensar, usarmos essa capacidade para, de uma forma construtiva, repensarmos este admirável mundo novo e exigir de todos os governantes, políticos e de todas as profissões existentes na sociedade, o abrir de um caminho para que todos vivamos melhor e em sociedade. Não podemos ter um Estado que nos torna, como sociedade, dependentes, um Estado aparentemente generoso, mas caritativo e assistencialista, que pretende controlar tudo e todos.


Rute Xavier, professora na Católica Lisbon School of Business & Economics

Este espaço de opinião é uma colaboração entre a Renascença e a Católica Lisbon School of Business and Economics