"Dizem que não nos importamos, porque não nos perguntam." Dulce Maria, de 63 anos, é uma das vozes críticas das explorações mineiras na vila de Gonçalo, na Guarda.
Com o lítio na ordem do dia, a Junta de Freguesia garante que "ainda não houve qualquer exploração" desse minério, mas admite que já houve prospeções, pesquisas e exames. Até agora, as explorações foram de feldspato para uso na cerâmica, por parte da empresa Felmica.
A população queixa-se de acessos públicos destruídos e danos nas habitações. Dulce está habituada a reconhecer a presença da exploração mineira – há mais de 30 anos que tem terrenos agrícolas de família bem próximos de uma das explorações.
O caminho é tortuoso e por isso aceitamos a boleia de quem conhece. Entramos no carro de Dulce, que quer mostrar como ficou “encurralada” por causa das explorações numa pedreira perto dos seus terrenos agrícolas.
“Eu passo aqui todos os dias. O caminho não está arranjado, chegamos aqui e não passamos”, denuncia. “Como é que eu passo para os outros terrenos do lado de lá? Saio de avião ou de helicóptero?”, ironiza a moradora de Gonçalo, apontando para a “cratera que se abriu no caminho” e mostrando-se incomodada pelos tiros que ouve com frequência.
Dulce desfia um novelo de críticas: “Aquela pedra ali caiu em cima do meu marido, há telhas partidas, isto não dá nada à nossa terra, que só há um empregado lá que é daqui.”
“Os benefícios quem os tira não sei. Já vi vários presidentes de Junta deixarem explorar caminhos públicos e deixarem-nos sem acessos”, desabafa, realçando que recebeu uma proposta, por parte da empresa responsável, para vender um terreno por 300 euros – valor que “jamais aceitaria”.
Perante as críticas de alguns populares, o presidente da Junta de Gonçalo – uma localidade que agrega a povoação de Seixo Amarelo, num total de 1.500 habitantes – vê benefícios na exploração mineira.
“Tudo o que são arranjos de caminho, reflorestação, eles têm feito. A exploração de feldspato tem sido uma mais valia, porque há uma renda mensal desde há sete anos, paga pela empresa e usada em benefício de Gonçalo e Seixo Amarelo”, garante António Jorge Esteves, sem revelar o valor da renda atribuída.
No caso das reclamações como as de Dulce, o presidente da Junta de Freguesia de Gonçalo considera haver uma relação cordial entre a Junta e a empresa Femilca. “E sempre que há reclamação de um freguês", assegura, "a Junta procura a própria empresa para resolver a situação e sei que têm feito isso. Eles podem cortar acessos, arranjando acessos alternativos. E têm sempre que arranjar alternativas.”
Presidente da Junta assume: há falta de informação
Sobre uma futura exploração de lítio (usado nas baterias dos carros elétricos, de 'smartphones' e 'tablets'), o presidente da Junta de Freguesia de Gonçalo prefere não tecer comentários.
“Aquilo que existe aqui atualmente é a exploração de feldspato e a prospeção de lítio. Ou seja, só pesquisas de lítio, mas que eu tenha conhecimento não houve exploração”, afirma António Jorge Esteves que, “para já”, não quer fazer comentários “e não vou levantar um problema que não existe”.
“É prematuro comentar se sou a favor ou não do lítio. Não vou dizer nem que sim nem que não”, remata.
Os habitantes de Gonçalo veem “passar os camiões que levam o feldspato” – assim dizem, porque informação há pouca.
“Vemos passar engenheiros e doutores. Ainda lá andam? Esta zona sempre foi muito rica. Na altura diziam que era das mais ricas da Europa em estanho, fazia-se exploração manualmente. Juntava-se um grupo de homens e lavavam a terra”, recorda José Amaral, 79 anos, que não se opõe às explorações mineiras.
Já José Fernandes, de 84 anos, é mais cético. “Eu acho que era uma chatice. Porque os contras são mais que os prós. Isto é uma aldeia pequena e ia perder a graça, com a exploração do lítio”, afirma, sem saber dizer muito mais sobre o tema.
E é também o próprio presidente da Junta de Freguesia de Gonçalo, António Jorge Esteves, que acusa a falta de informação. “Eu como Presidente da Junta sinto que não estou a ser corretamente informado pelas entidades. Eu tenho consciência que só quase quando tudo estiver consumado, é que vamos ter que tomar uma decisão. Está-se a criar especulação porque toda a gente quer saber se os terrenos têm lítio”, alerta.
Entre mitos e verdades, em Gonçalo, tudo o que anda à volta das pedreiras, por ali fica. A informação não chega ao povo, que até de diamantes já ouve falar.
Dulce pega numa pedra lilás: “é dessas cor-de-rosa e há algumas que têm diamantes”. A informação é desmentida pelo presidente da Junta. “Já existe o mito que estamos a explorar lítio e agora é mais um mito. Mas era bom que houvesse diamantes”, sorri.
“66 minas esburacadas pelo país”
O que é já garantido é a existência de uma petição contra a exploração de lítio no país, apadrinhada por associações ambientalistas como a Associação Ambiental em Zonas Uraníferas (AZU). O responsável António Minhoto diz estar em causa a destruição da paisagem e os seus recursos.
“As explorações mineiras alteram as questões paisagísticas de uma região que está virada para as questões turísticas, como a pastorícia e o vinho, e põe em causa esse desenvolvimento. E a níveis ambientais, há mistura de águas de exploração com as águas do rio, as poeiras, os ruídos, devido à grande intensidade de exploração das máquinas”, sublinha, acrescentando que concelhos como Oliveira do Hospital e Seia estão contra.
“Há um movimento de contestação popular, envolvendo o ecoturismo e enoturismo, porque não traz desenvolvimento sustentável, não traz emprego. Ninguém vem trabalhar para pedreiras quando nem vão trabalhar para a agricultura”, considera António Minhoto, garantindo que vai pedir nova audiência ao secretário de Estado do Ambiente.
O responsável da AZU recusa ainda que se apelide as pedreiras de Gonçalo como a maior exploração de lítio da Europa.
“Eramos um país tão pobre e agora somos o país mais rico em termos minerais? Isso não é verdade. Temos 66 minas esburacadas pelo país, ainda há sete a 10 minas por recuperar, porque o Estado não tem capitais para fazer recuperação urgente”, revela.
“Isto não é uma mais valia e retira algum desenvolvimento sustentável. Num mundo que se preocupa com as alterações climáticas, vamos avançar para mais projetos de impacto ambiental? Estas empresas, em cinco seis anos exploram tudo, deixam tudo escavacado e vão-se embora”, critica António Minhoto.
A Renascença tentou chegar à fala com responsáveis da Felmica Minerais Industriais – MCS PORTUGAL – mas não conseguiu obter qualquer resultado em tempo útil.