Aos 23 anos, tinha medo de frequentar espaços públicos, sofria de ataques de pânico com frequência e tomava 11 antidepressivos por dia. No início deste ano, a belga Shanti De Corte pediu a eutanásia “por sofrimento psiquiátrico insuportável”. Tinha sido diagnosticada com depressão crónica e stress pós-traumático. A 7 de maio, dois psiquiatras aprovaram o seu pedido e a jovem foi eutanasiada, um procedimento legal na Bélgica desde 2002.
Quando o caso foi divulgado pela imprensa belga, em outubro, o neurologista Paul Deltenre disse à estação belga RTBF que a decisão para aceder ao pedido de Shanti De Corte foi “prematura”, afirmando que havia opções terapêuticas que não foram testadas. Na sequência destas declarações, vários jornais belgas adiantaram que seria aberto um processo judicial.
Contactado pela Renascença, o Ministério Público belga explica que “o processo foi instaurado após denúncia e como resultado adiou-se uma primeira eutanásia”. Sem precisar as datas das decisões, o gabinete de imprensa deste organismo garante ainda que “a investigação mostrou que não havia sido cometido nenhum crime e o processo foi encerrado”.
O ataque terrorista
O historial de depressão da belga começou em 2016, na sequência de um ataque terrorista no aeroporto de Bruxelas-Zaventem, na Bélgica, que acabaria por ser reivindicado pelo autoproclamado Estado Islâmico. Shanti De Corte, na altura com 17 anos, era uma das jovens que estava no local. Do ponto de vista físico escapou ilesa, mas alguns dos seus colegas de turma, com quem iria viajar para Itália, morreram.
Ao todo, as explosões, nesse dia, no aeroporto e no metro da cidade fizeram 35 mortos.
O stress, a angústia e o medo deixados pela experiência levaram a jovem à depressão. A mãe, Marielle, revelou em entrevista ao canal de televisão belga VRT que a filha “nunca mais se sentiu segura” depois dos ataques.
Shanti De Corte chegou a ser internada num hospital psiquiátrico, em Antuérpia, e começou a tomar antidepressivos, o que não a impediu de se tentar suicidar por duas vezes, uma em 2018, depois de um outro paciente da clínica onde estava a ter tentado abusar dela, e outra em 2020.
A psicóloga que a acompanhou na escola, logo após o ataque, disse ao canal de televisão belga RTBF que “alguns alunos reagiram pior do que outros a eventos traumáticos”. “Tendo-a entrevistado duas vezes, posso dizer que Shanti De Corte era uma dessas alunas frágeis.”
Ao longo dos anos, Shanti De Corte foi relatando a sua luta e a dor nas redes sociais. “Com tantos medicamentos que tomo, pareço um fantasma que não sente nada. Talvez existam outras soluções além dos remédios.”
Na sua última publicação na internet, Shanti De Corte garantiu que chorou e riu até ao fim. “Pude amar e permitiram-me sentir o que é o amor verdadeiro. Agora, irei descansar em paz. Já tenho saudades vossas.”