Há mais de 250 infraestruturas responsáveis pela crise climática em Portugal e as principais pertencem aos setores dos transportes e da energia. São essas as conclusões de um inventário apresentado esta sexta-feira na abertura do 6º Encontro Nacional por Justiça Climática, realizado pelo Climáximo e pela Greve Climática Estudantil, as duas organizações não-governamentais (ONGs) portuguesas que assinaram o Acordo de Glasgow.
Segundo o inventário realizado pelas ONGs, com base em documentos e dados de várias entidades públicas, o setor dos transportes, especialmente a aviação e os automóveis, é o que mais polui, lançando em 2018 para a atmosfera portuguesa 24,2 milhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente (tCO₂eq).
Segundo Mariana Rodrigues, porta-voz do Acordo de Glasgow em Portugal, este impacto negativo por parte da indústria dos transportes mostra que “a nossa casa está a arder, está a arder cada vez mais rápido e vai continuar a arder, dada a prevalência da aviação e transporte individual”.
Logo atrás vem a o setor da energia, com 22,4 milhões de toneladas de CO₂eq emitidos em 2018 e, em terceiro lugar, o setor da indústria, com 15 milhões de toneladas de CO₂eq.
Para a representação portuguesa do Acordo de Glasgow, estes dados revelam que “a energia do passado garante que não temos futuro” e que “o gás é a transição para a catástrofe climática”.
A infraestrutura mais poluente do país é, de longe, a refinaria de Sines. As fábricas que exploram combustíveis fósseis, são, aliás, as que figuram mais nas listas e críticas do inventário, e a refinaria da Petrogal no distrito de Setúbal emitiu mais de 2,4 milhões toneladas de CO₂eq em 2017.
No top 5 estão ainda mais duas infraestruturas ligadas ao setor da energia: a central da Tapada do Outeiro, no Porto, e a central termoelétrica de Lares, em Coimbra.
No quinto lugar, surge a fábrica das Carnes Landeiro, em Braga, que produziu em 2017 mais de 963 mil toneladas de CO₂eq.
O resto da lista das 20 infraestruturas mais poluentes contém principalmente empresas de cimento, como os centros de produção da CIMPOR, empresas de fabrico de papel da Navigator, e centrais de tratamento de resíduos.
Para as contas não entram a central termoelétrica de Sines (que era, até há pouco tempo, a infraestrutura mais poluente do país), a central termoelétrica do Pego e a refinaria de Matosinhos, as três entretanto desativadas.
“Acreditar que o Acordo de Paris vai funcionar é negacionismo”
O inventário é, segundo as duas organizações ambientais, o primeiro “raio-X” de “emissões desagregadas de gases com efeito de estufa”. O documento pretende ser, diz Mariana Rodrigues, um “mapa que mostra onde estão os fogos e dá uma imagem mais detalhada do terreno”.
Segundo a porta-voz, a informação do inventário servirá para criar uma “agenda pela justiça climática” que “leve a cabo os cortes necessários em Portugal para travar os piores cenários da crise climática”.
O inventário foi realizado no âmbito do Acordo de Glasgow, um acordo internacional assumido por 140 organizações em mais de 40 países, que procura substituir o Acordo de Paris dada a falta de eficácia apontada pelas ONGs ligadas ao ambiente.
“Neste momento, acreditar que o Acordo de Paris vai funcionar é negacionismo e, portanto, o Acordo de Paris tem de ser enterrado e os grupos de todo o mundo juntaram-se para criar o Acordo de Glasgow”, disse Mariana Rodrigues, porta-voz do acordo em Portugal.
A ativista afirma ainda que o Acordo de Glasgow “nasce do falhanço das instituições, é criado por movimentos sociais, formais e informais, em diversos países, e tem como objetivo tomar a iniciativa que governos não estão a tomar” e criar alternativas de ação.
Segundo os dados do Painel Intergovernamental para as Alterações (IPCC) de 2018, apresentados pelo Acordo de Glasgow, ”é necessário cortar 50% das emissões globais de gases com efeito de estufa até 2030, em relação aos níveis de 2010”, algo que os países não estão a conseguir cumprir.
Para Antónia Seara, outra porta-voz do Acordo de Glasgow, “o corte tem de ser muito maior e os países tem uma responsabilidade histórica”.
As ONGs propõem assim que os países sigam o critério “Greenhouse Development Rights”, para que cada país corte nas emissões de carbono consoante a sua capacidade económica e os esforços em garantir uma transição empresarial responsável.
Mas esse critério também define uma meta ambiciosa para Portugal: as ONGs pedem que o país corte em 74% as suas emissões no prazo de nove anos, de 68 milhões de toneladas de CO₂eq para apenas 28 milhões de toneladas de CO₂eq.
Novos projetos já são alvos de críticas
Tanto o Climáximo como a Greve Climática Estudantil não definiram ainda um plano de ação a partir das conclusões do inventário. Confessam que ainda está por definir uma abordagem tanto às empresas como às autoridades portuguesas, para atingir estas metas tão rapidamente.
Segundo Antónia Seara, será criado um plano que “tem em consideração justiça climática, transição justa, mas que também tem em consideração a ciência e a realidade atual”.
O que não quer dizer que não existam já "alvos" a abater.
O inventário define uma série de novos projetos que arriscarão ainda mais a capacidade de Portugal reduzir as suas emissões de carbono.
Em primeiro lugar está, previsivelmente, uma eventual expansão do aeroporto de Lisboa, seja ela onde for, que elevaria as emissões provenientes do setor da aviação, o setor mais poluente.
O documento também se opõe à criação do gasoduto de Celorico da Beira, chumbado pela Agência Portuguesa do Ambiente; à expansão de portos; às explorações de lítio e quaisquer outros minerais; a novas ligações rodoviárias (mas, crucialmente, não às ferroviárias); e ao avanço dos projetos inseridos no âmbito do hidrogénio verde, que as ONGs não consideram como uma alternativa viável a curto-prazo.
Para Mariana Rodrigues, avançar com estes novos projetos “é como estar numa casa que está a arder e ligar o fogão a gás, em vez de apagarmos o fogo”.
Os ativistas opõem-se a estes projetos que envolvem expansão, exploração e utilização de combustíveis fósseis, por não ajudarem a “garantir que as emissões descem e que travamos a crise climática”.
A apresentação do inventário é apenas a primeira cena do 6.º Encontro Nacional pela Justiça Climática. Ao longo do dia 13 de março, serão realizadas várias atividades com a participação de coletivos cívicos, desde grupos ambientais a coletivos feministas. Algumas das conversas focar-se-ão na “transição rápida e justa na aviação”, no “feminismo e justiça climática” e no “gás fóssil e CO₂lonialismo em Moçambique”.