A Jornada Mundial da Juventude gera, sem dúvida, uma enorme confusão. Lisboa, que normalmente em agosto já costuma ser considerada inabitável por tantos dos seus habitantes, está desta vez invadida por centenas de milhares de jovens vindos de todo o mundo. Apesar de vários anos de preparação, os imponderáveis multiplicam-se, e ao lado de cada queixa está um repórter para registar a ocorrência.
Para lá destas perturbações, jornais e comentadores oficiais, que passaram os últimos anos a tratar os católicos de pedófilos, andam um pouco perplexos, sem saber bem como lidar com a circunstância. O tema religioso não emociona intelectuais cultos e esclarecidos e a atitude habitual de falhar o tema impede-os de entrar no espírito. Só que a dimensão é demasiado grande e a abrangência demasiado vasta para se poder desprezar. Assim, como nas últimas visitas papais, a elite nacional vai-se manter silenciosa.
Apesar disso não vão faltar os casos, as polémicas, as críticas. O palco, que em fevereiro foi considerado sumptuoso e esbanjador, vai agora parecer tacanho e indigno. A presença ou ausência de cada individualidade será escrutinada em detalhe. Os discursos e sermões do Papa Francisco serão inspecionados em busca de assuntos que valham a pena: renúncia do pontífice, ordenação de mulheres ou homens casados ou qualquer um dos múltiplos temas sexuais. Toda esta confusão passa naturalmente ao lado do essencial. Isso aliás é costume, porque o essencial raramente é mediático.
Estes dias do início de agosto testemunham de longe o maior acontecimento cultural, a maior manifestação de alegria, de liberdade, de elevação e dignidade que alguma vez aconteceu neste país. Qualquer abordagem minimamente séria teria de ver isto. Aqueles que tanto se exaltam quando um punhado de ilustres se juntam numa assembleia para proclamar um manifesto ou umas centenas pretendendo abalar o regime com uns slogans gritados debaixo de cartazes, deviam agora admitir que o que desenrola debaixo dos seus olhos é algo realmente gigantesco.
Aquilo que acontece em Lisboa, e que não é um fogacho ocasional, pois já se verificou por 16 vezes em 14 cidades de todos os continentes, é o mais espantoso, brilhante e influente encontro da humanidade. Juntam-se americanos e chineses, russos e ucranianos, papuas e ugandeses, alemães e gregos. Unem-se ricos e pobres, universitários e pedintes, atrevidos, tímidos e assustados. No entanto, até estes elementos importantes passam ao lado do essencial, porque aquilo que a Jornada traz não se mede em números e efeitos sociais.
Toda esta multidão não veio ao acaso. Estão com um propósito bem definido. O que conta é o que os jovens de todo o mundo estão cá a fazer. Porque eles vieram sem interesses, sem medos, sem agenda. Não pretendem protestar, exigir, demolir. Não listam queixas, inimigos, exigências. Não contestam os sistemas, não acusam os governos, não detestam as instituições. Falam mais com os sorrisos, com os abraços, com o silêncio, que com cartazes ou palavras de ordem.
Não pretendem mudar o mundo, porque o seu encontro, em si mesmo, é já o mundo novo. Vêm amar os inimigos, dar a outra face. Vêm dizer aos pobres que eles são bem-aventurados e aos mansos que possuíram a terra. Vêm ser o sal da terra e a luz do mundo. Vêm como o pequenino rebanho a quem o Pai deu o Reino.
O encontro com o Papa, vigário de Cristo, é um momento de renovação da Igreja portuguesa e, através dos peregrinos, da Igreja universal. Foi assim em todas as vezes anteriores e será de novo desta vez. Viveremos nas próximas décadas dos frutos destes dias inesquecíveis. Mas até estas ideias grandiosas e estes resultados únicos passam ao lado do essencial.
Porque o essencial da Jornada acontece no coração de cada um de nós, se o deixarmos acontecer. Passa-se durante as centenas de milhar de confissões e nas centenas de milhar de comunhões. Passa-se nas inúmeras conversões, reconciliações, nos encontros previstos e inesperados. Numa palavra, passa-se no encontro com a Senhora que veio apressadamente trazer-nos Aquele que nos dá a paz, a esperança, a salvação. Afinal o essencial desta Jornada encontra-se no humilde sacrário que sempre esteve na igrejinha ao fundo da nossa rua. Pois há dois mil anos que vivemos mesmo ao lado do essencial.
João César das Neves, professor na Católica Lisbon School of Business & Economics
Este espaço de opinião é uma colaboração entre a Renascença e a Católica Lisbon School of Business and Economics