20 de janeiro de 2009. Há dez anos, Barack Hussein Obama II, um advogado havaiano e filho de um economista queniano, tornava-se o primeiro afrodescendente a assumir o cargo de Presidente dos Estados Unidos.
Com o slogan “Yes, we can” (sim, nós podemos), Barack Obama prometia uma América diferente daquela que vira a crise do “subprime” arrastar milhares para o desemprego, daquela que não tinha um sistema de saúde acessível para todos, da que combatia uma guerra no Iraque há demasiado tempo e que caminhava a passos largos para se tornar um dos maiores poluidores mundiais.
Barack Obama cumpriu dois mandatos e foi substituído, a 20 de janeiro de 2017, por Donald John Trump, um empresário norte-americano líder de um império imobiliário e para quem a política era ainda um universo por explorar.
À boleia do #10yearchallenge, o fenómeno viral que está a desafiar os internautas a mostrarem duas fotografias suas com 10 anos de diferença, a Renascença olha, a 20 de Janeiro de 2019, para os últimos 10 anos na América
Do primeiro Presidente negro dos Estados Unidos ao aumento recorde de crimes de ódio no país, o que mudou?
IMIGRAÇÃO
Quando Barack Obama se tornou Presidente dos Estados Unidos, a fronteira já era um problema, mas a solução de Obama era bem diferente daquela que agora provoca o maior “shutdown” da história dos EUA. Nos primeiros anos, Obama adotou uma posição dura contra as deportações e tentou passar uma reforma migratória no congresso que abria caminho à obtenção da cidadania aos que viviam de forma irregular no país.
Eram, na Era Obama, deportados os estrangeiros envolvidos ou suspeitos de praticar atos de terrorismo ou espionagem, ou aqueles que representassem uma “ameaça à segurança nacional”. A administração Obama suspendeu ainda a deportação de imigrantes que entraram quando tinham menos de 16 anos e os pais de cidadãos ou residentes legais que tivessem ingressado nos EUA depois de janeiro de 2010.
Donald Trump mudou isto. Com a promessa de construir um muro em toda a extensão da fronteira, Trump trouxe a retórica anti-imigrante para a agenda nacional e apelou ao voto daqueles que sentiam que a imigração ilegal era a principal causa do desemprego e da criminalidade.
Quando assumiu o poder, adoptou uma política de tolerância zero à imigração clandestina. O resultado? Milhares de crianças da América Central e do Sul foram separadas das famílias.
E quando se pensava que o cenário não podia piorar, descobriram-se as condições desumanas em que estavam retidas estas criança: enjauladas e sem supervisão. Seguiram-se as revelações de que jovens com idades inferiores a 10 anos eram apresentados em tribunal sozinhos, sem presença parental ou advogado.
Um quadro para muitos inconcebível em pleno século XXI era agora a realidade norte-americana. O inimaginável aconteceu. Duas crianças, com sete e oito anos, morreram em dezembro à guarda do serviço de fronteiras dos EUA.
Uma tragédia com estes contornos deveria ser suficiente para moderar o feroz debate sobre a construção do muro na fronteira com o México, mas Donald Trump optou por manter o discurso.
Em dezembro, os democratas recusaram financiar a promessa eleitoral do Presidente e os Estados Unidos enfrentam, desde então, o maior shutdown da história do país. O Governo está paralisado há um mês e assim se deverá manter enquanto as duas partes não chegarem a acordo.
Um impasse que se estima afectar cerca de 800 mil funcionários públicos e que poderá terminar numa crise constitucional.
POLÍTICA EXTERNA
Um caminho marcado por contradições e uma enorme vontade de eliminar o legado de Obama. É assim que Trump tem traçado os primeiros dois anos de mandato, no que toca a política externa dos Estados Unidos.
Em 2015 e ao fim de mais de uma década de enorme esforço diplomático, Obama assinou o acordo nuclear do Irão e os Estados Unidos passaram a integrar o Plano de Acção Conjunto Global (PACG).
O acordo estabelecia que o país se devia comprometer a limitar as atividade nucleares em troca do alívio de sanções internacionais. Desde então, o Irão reduziu em 95% as reservas de Urânio enriquecido.
Em maio de 2018, Donald Trump anunciou a retirada do acordo e iniciou uma onda de pesadas sanções ao país, que acredita ser “o maior promotor de terrorismo no mundo”. Uma decisão que alarmou a comunidade internacional.
Mas se, no caso do Irão, os Estados Unidos passaram de amigos para “numa relação complicada”, o inverso aconteceu com a Coreia do Norte. Kim Jong Un rapidamente passou de “pequeno homem foguete” a aliado respeitável. Os dois líderes têm um segundo encontro marcado para o final do próximo mês de fevereiro, mas, a Donald Trump, ninguém tira o título de primeiro Presidente dos Estados Unidos a reunir com um líder norte-coreano.
Se, na Ásia, Trump encontrou um aliado inesperado, na Europa, os tradicionais parceiros dos americanos viram os Estados Unidos mudarem de posição em quase tudo. As conversas informais de Merkel com Obama tornaram-se em acusações de falta de investimento na NATO de Trump.
Uma mudança que levou Merkel a admitir: “acabaram os dias em que a Europa podia confiar totalmente em outros".
Jerusalém foi oficialmente reconhecida capital de Israel, Trump ordenou a retirada das tropas americanas do Afeganistão e da Síria e reforçou a aliança com a Arabia Sudita, “um parceiro firme”, que nem o escândalo do assassinato de Jamal Khashoggin conseguiu abalar.
SERVIÇO DE SAÚDE ("Healthcare")
Na saúde, Trump uniu esforços no Congresso para “revogar e substituir” o Obamacare, uma das maiores vitórias do seu antecessor, criada para resolver a falta de cobertura que afetava cerca de 15% da população.
Depois de três dramáticos fracassos legislativos, Donald Trump reduziu a zero a penalidade fiscal para os cidadãos que não se inscrevessem nos seguros de saúde administrados pelo Governo e festejou a decisão de um juiz do Texas que declarou inconstitucional o programa legislativo da reforma na Saúde, implementado pela administração Obama em março de 2010.
Num país onde não está assegurado um Serviço Nacional de Saúde, Trump fez da anulação desta reforma democrática uma promessa eleitoral. A decisão não é, no entanto, definitiva, já que aguarda o julgamento de recursos apresentados.
POLÍTICA AMBIENTAL
Quando o comércio se sobrepõe à sustentabilidade ambiental e a política à evidência científica, os EUA correm o sério risco de abandonar o acordo de Paris.
Foi isso mesmo que aconteceu a 1 de junho de 2017. Uma decisão que indignou a comunidade internacional e recebeu fortes críticas de líderes, empresários e ambientalistas de todos o mundo.
No que à política ambiental diz respeito, Donald Trump tem seguido uma rota metódica com um único objectivo: pôr fim às medidas de proteção ambiental implementadas durante os dois mandatos do seu antecessor.
Nos últimos dois anos, foram aprovados novos projetos de lei que permitem mais perfurações de gás e petróleo e exploração de energia na costa norte-americana.
A Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos rescindiu várias directivas da era Obama, sobre as emissões de carbono, e de acordo com uma investigação do "The New York Times", o Governo tentou reverter cerca de 60 projectos de lei ambientais, tendo derrotado pelo menos 26.
Se Barack Obama reconhecia o alarmante cenário da crise ecológica, evidente com o agravamento do aquecimento global, para o atual Presidente dos Estados Unidos, tal não passa de um enorme mito associado a uma desmedida teoria da conspiração.
Uma simples queda no termómetro é suficiente para que Donald Trump ponha em causa o real efeito das alterações climáticas.
ECONOMIA
Por esta altura torna-se evidente que Obama e Trump são dois presidentes com visões antagónicas nas mais variadas áreas, mas foi a economia que trouxe a rivalidade à tona.
Meses depois da tomada de posse do 45º Presidente dos Estados Unidos, iniciou-se uma competição entre os dois líderes.
Se por um lado Donald Trump diz ter alcançado um “milagre económico”, com a queda da taxa de desemprego e um aumento exponencial do Produto Interno Bruto, por outro Obama garante ter entregue em mãos um legado histórico e recusa-se por isso a aceitar que o seu sucessor fique com os créditos.
Nos primeiros dois anos de mandato, Trump criou cerca de 5 milhões de postos de trabalho.
Uma melhoria impressionante, que começou durante a presidência de Obama, com criação de 10 milhões de novos postos, ao longo de dois mandatos.
Os Estados Unidos atravessam um período de 99 meses consecutivos de crescimento no emprego. Contudo, alguns especialistas relembram a inevitabilidade de um abrandamento na queda da taxa de desemprego.
Há, porém, duas conquistas que abonam a favor de Donald Trump. A primeira, promovida em novembro de 2017, é a maior redução fiscal em décadas, que apesar de ter sido bem recebida pode vir a provocar uma perda líquida nas receitas do Estado de 2,2 mil milhões de dólares.
A segunda, consequência da anterior, é o aumento dos salários.
Mas nem só de boas notícias se escreve esta história. As políticas economico-financeiras de Trump não escaparam às guerras comerciais, por ele iniciadas. Especial destaque para o conflito com a China, que já se faz sentir nalgumas das maiores potências norte-americanas.
A dúvida que fica é: daqui a 10 anos, terá Donald Trump realmente feito a América grande de novo?