Uma das patranhas mais propalada nas redes sociais, nas semanas anteriores à recente eleição presidencial nos Estados Unidos da América, foi a de que o Papa Francisco havia decidido apoiar Trump. Entre apoiantes do agora presidente e diletantes de semelhantes ‘partilhas’ e ‘likes’, o factoide vicejou e multiplicou-se como cogumelos depois da chuva.
Ninguém de bom senso admite e aceita a fabricação de factos e a difusão de notícias falsas (fake news). Casos como este suscitaram alarme, até porque têm ou podem ter consequências na vida real. Daí que a reacção tenha sido, até aqui, direcionada em três sentidos: desenvolvimento de processos independentes de verificação dos factos (fact checking); pressão sobre o Facebook e Google para que tomem medidas de autocontrolo; e aposta mais decidida na literacia mediática e, em particular, na literacia sobre as notícias e a atualidade.
Esta última linha de ação passa por treinar, no domínio na educação escolar e não só, processos de verificação das fontes noticiosas, capacidade de distinguir as confiáveis das suspeitas, perceber o que são factos e o que são opiniões, e quem é que os difunde e a sua credibilidade.
O limite deste tipo de ações é a ingenuidade ou a simplificação. É criar a ideia de que elas, as fake news “andam aí”, em cada esquina da internet, fazer disso um motivo de caça, e esquecer, entretanto, que tanto ou mais do que notícias falsas, o que importa procurar é as meias-verdades, os boatos e rumores, as notícias patrocinadas, os “factos alternativos”, para já não falar nos silêncios, silenciamentos e exclusões. E também os gestos e testemunhos de quem, nomeadamente no jornalismo, se bate corajosamente pela transparência e pela verdade.
O último relatório do Reuters Institute sobre o jornalismo digital concluía que é pelo Facebook que dois terços dos seus utilizadores se informam. Ora esta rede social devolve aos seus utilizadores os seus próprios ecos, bem como o de ‘amigos’ e ‘amigos de amigos’ que navegam nas mesmas águas e visitam os mesmos portos. Por outro lado, continua-se a ignorar que uma pesquisa do Google nos devolve, de facto, o espelho do que o motor de busca sabe serem os nossos interesses.
Bastaria isto (mas há muito mais), para se perceber que a cidadania crítica e participativa carece hoje, vitalmente, de uma literacia acerca da informação e dos media, que não pode quedar-se pela sedução (tecnológica e política) da tecnologia.