A Hagia Sophia, em Istanbul, vai voltar a ser uma mesquita, aberta à oração pública dos muçulmanos, anunciou esta tarde o Presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan.
A decisão de Erdogan de permitir a oração pública naquela que é uma das principais atrações turísticas na Turquia foi anunciada horas depois de o supremo tribunal turco ter declarado que o a decisão de 1935 para transformar a mesquita num museu era inválida, e que por isso o edifício mantinha o estatuto de edifício de culto muçulmanos.
Ambas as decisões, em conjunto, são mais um sinal do que tem sido chamado neo-Ottomanismo, isto é, o regresso da Turquia às suas raízes otomanas, afastando-se do republicanismo laicista introduzido por Kemal Ataturk depois da queda do Império Otomano.
A postura de Erdogan tem preocupado a comunidade internacional na medida em que tem levado a uma postura mais hostil nas relações com os vizinhos a sul, com intervenção direta no conflito da Síria e da Líbia e um clima de crescente islamização da sociedade e da vida política no país, com consequências para as comunidades cristãs e de outras minorias religiosas que vivem na Turquia.
É precisamente para as comunidades cristãs que a decisão sobre a Hagia Sophia é particularmente dura, pois o edifício, cujo nome significa Santa Sofia em grego, já foi a maior igreja da Cristandade, numa altura em que Constantinopla, como era conhecida a cidade, era a capital do Império Romano do Oriente.
A invasão de Constantinopla em 1453 por parte de forças muçulmanas levou à transformação do espaço em mesquita, mas a decisão de o transformar em museu em 1935 foi uma posição de consenso que permitia guardar e expor o património sem ferir suscetibilidades. Os muçulmanos mais conservadores, porém, nunca aceitaram bem a mudança de estatuto, que agora foi revertida.
Atualmente os cristãos são uma minoria na Turquia, com algumas comunidades evangélicas de turcos convertidos e outras igrejas com uma presença mais histórica, nomeadamente a Igreja Ortodoxa de rito bizantino, cujo patriarca é considerado o primeiro entre iguais entre todos os líderes de igrejas ortodoxas dessa comunhão. Bartolomeu I alertou, antes da oficialização da decisão, que esta tem o potencial de virar cristãos em todo mundo contra o Islão e piorar a divisão que já existe em tantos sítios entre as diferentes comunidades religiosas.
Existe ainda uma presença significativa de cristãos de tradição Arménia, que sobreviveram aos massacres de 1915 e de cristãos assírios, ou siríacos.
Atraso de seis séculos
A reação de alguns dos países cristãos mais representativos do cristianismo ortodoxo não se fez esperar.
O Governo grego lamentou a decisão, que considerou uma provacação a "todo o mundo civilizado".
"O nacionalismo revelado pelo Presidente turco Recep Tayyip Erdogan coloca o seu país seis séculos no passado", escreve o Ministério dos Negócios Estrangeiros de Atenas.
A Igreja Ortodoxa da Rússia também reagiu, afirmando que este é um ato que vai ter "sérias consequências".
"As inquietações de milhões de cristãos foram ignoradas", afirmou o portavoz Vladimir Legoida, à agência russa Interfax, com o arcipreste Nikolai Balashov, vice-presidente do gabinete para relações externas do Patriarcado de Moscovo a dizer que "este é um acontcimento que poderá trazer sérias consequências para toda a civilização humana".
[Notícia atualizada às 00h09]