Desde que a monarquia caiu em Portugal, em 1910, a república já leva 113 anos de história. Compreende-se que os republicanos tenham querido redefinir os símbolos da pátria, para vincarem a mudança de regime. À bandeira azul e branca, preferiram o verde (cor da esperança e do progresso positivista) e o vermelho (cor combativa e da revolução), a que juntaram a tradicional esfera armilar, o escudo com cinco escudetes azuis e cinco besantes brancos e uma bordadura com sete castelos. A bandeira portuguesa poderá não ser das mais bonitas do mundo, mas há muitas que são mais feias; e, em todo o caso, é (a) “nossa”. O tempo consolidou-a como referente coletivo, como “síntese afetiva” (diria Teófilo Braga) de um povo e de uma nação.
Nas grandes opções de simbologia, se não é necessário mudar, é necessário não mudar, porque se não está estragado, não se deve consertar. Nem Salazar, nem o MFA, nem a troika, pediram ou impuseram uma mudança no pavilhão da pátria. Todavia, comunicação moderna a tanto obriga, a democracia presente começou, em data incerta, a fazer logótipos a partir da bandeira nacional, para usar nos mais diversos suportes, numa lógica de visualização da “marca” Portugal.
Em algumas ocasiões, será necessário e até eficaz estilizar a bandeira em fórmulas mais maleáveis. Não vem daí um crime de lesa-pátria. Entretanto, por estes dias - a dias de ser demitido - o governo de António Costa decidiu uma brutal e indispensável reforma de fundo do país, a qual consistiu em… aprovar um novo logótipo para a “marca” República Portuguesa. Ao contrário do que poderia ter acontecido, o resultado é risível. Consulta pública não houve, embora os símbolos da pátria sejam de todos, e o trabalho ficou por “módicos” 74 mil euros. Os gurus juram que o novo desenho (uma bola no meio de dois retângulos-quase-quadrados, que lembra peças de um brinquedo infantil) “não constitui o redesenho da bandeira”. Ainda bem, para salvaguarda do art.º 11.º da Constituição! Mas o redesenho, e a retórica saloia que o justifica, é uma desconstrução da bandeira nacional para totós.
O resultado preserva “as cores dominantes e a geometria elementar”? Não me parece, porque a bola amarela é desproporcional e vítima do wokismo da moda, ao fazer desaparecer a esfera armilar (que até o esquerdismo de 1910 saudava como “o padrão eterno do nosso génio aventureiro, da nossa existência sonhadora e épica”!), o escudo da lenda de Ourique e os castelos da Reconquista. Quer responder, de forma “mais eficaz”, a “contextos de sofisticação da comunicação digital”? Experimentem ver o logótipo impresso a preto e branco, ou a barrinha verde sobre o fundo azul dos púlpitos ou dos ecrãs em uso e logo verão a sofisticação da coisa. Promove “uma consciência ecológica reforçada”? Não se entende por que ínvios caminhos se associa a bandeira à ecologia, e parece-me que a alteração em cabeçalhos de ofícios implicará muitas impressões novas, nada amigas do ambiente. E será a nova imagem “mais inclusiva, plural e laica”? Mais laica, e menos respeitadora do valor da tradição do país, é, de facto, e não deveria ser, porque um governo, punhado transitório de indivíduos, não pode ditar como se lê a história plurissecular da nação – muito menos descristianizá-la; e quanto à “inclusão” e à “pluralidade”, é daqueles mantras bacocos e vazios de que toda a linguagem tem hoje de revestir-se… só porque sim. É mesmo isto: a representação quotidiana da pátria muda, para pior, só porque sim, porque Suas Excelências governamentais realmente acham que tudo podem, e um dia apeteceu-lhes deslumbrar o burgo com a sua atrevida “sofisticação”.