Tancos. Advogados satisfeitos, mas pouco. E vão recorrer
07-01-2022 - 13:14
 • Marta Grosso com Lusa

O Tribunal de Santarém condenou 11 dos 23 arguidos no processo do furto e recuperação das armas de Tancos. Autores materiais receberam prisão efetiva. Advogado de Azeredo Lopes critica a forma como o processo se desenrolou.

A maior parte dos advogados dos arguidos condenados no processo do furto e recuperação de material militar dos Paióis Nacionais de Tancos (PNT) vai recorrer da sentença. As razões divergem.

Ricardo Sá Fernandes, advogado de defesa do Major Vasco Brazão (condenado a uma pena suspensa de 5 anos pelos crimes de falsificação de documentos e favorecimento pessoal) considera que o tribunal foi razoável, mas há uma divergência que obriga ao recurso.

“Eu acho que, no geral, quer nos factos provados quer nas penas aplicadas o tribunal foi razoável e equilibrado com exceção do ponto que para nós é a grande divergência, que tem a ver com a condenação dos militares da PJM e da GNR quanto a crime de favorecimento”, disse aos jornalistas, à saída do tribunal.

“Nós entendemos que esse crime de favorecimento não existiu e que a prova não se baseou nas declarações daquele que acabou por condenar como terrorista e traficante de droga”, sustenta.

Ricardo Sá Fernandes saudou a retirada dos crimes de associação criminosa e tráfico de armas da leitura do acórdão. “Eram crimes que não fazia cabimento existirem aqui”, defendeu.

Vasco Brazão foi condenado pelo coletivo de juízes do Tribunal Judicial de Santarém pela prática de um crime de favorecimento pessoal praticado por funcionário e um crime de falsificação ou contrafação de documentos, num cúmulo jurídico de cinco anos, tendo a execução da pena sido suspensa por igual período.

O major foi absolvido da prática dos crimes de associação criminosa, tráfico e mediação de armas, e denegação de justiça e prevaricação, de que vinha também acusado pelo Ministério Público, mas foi condenado à sanção acessória de proibição do exercício de funções por um período de dois anos e meio.

Nas alegações finais, o procurador da República Manuel Ferrão considerou terem ficado provado os crimes de favorecimento pessoal praticado por funcionário e de falsificação de documento, e pediu uma condenação a cinco anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, e a pena acessória de suspensão do exercício de funções por dois a três anos.

Terrorismo? “Muito discutível”

O advogado de defesa de João Paulino também anunciou que vai recorrer por considerar que a pena deveria ter sido atenuada, “porque ele devolveu o material”.

“O João Paulino é absolvido de quase todos os crimes, excetuando o crime de terrorismo. O crime de terrorismo é muito discutível. Há uma questão que eu tenho de ler no acórdão para saber se o tribunal atenua ou não a pena, o que deveria ter feito uma vez que ele devolveu o material. Se atenuasse especialmente a pena, a pena deveria ser ainda mais baixa. Essa é uma questão que vamos levar seguramente ao tribunal superior, além de algumas questões técnicas”, garantiu Carlos Mello Alves.

João Paulino, autor confesso do furto de armas dos paióis de Tancos, foi condenado a um cúmulo jurídico de oito anos de prisão – “um ano a mais” do que militares, frisou o advogado.

“Tirando a parte do tráfico de droga, que não tem nada que ver com este processo, o João Paulino é condenado em seis anos de prisão, sendo certo que parte dos militares foram condenados em cinco anos de prisão”, afirmou Melo Alves, aos jornalistas, notando que aquele "levou um ano a mais que os militares".

O ex-fuzileiro foi condenado em Santarém a seis anos de prisão pelo crime de terrorismo e a cinco anos e seis meses de prisão pelo crime de tráfico de estupefaciente, resultando, em cúmulo jurídico, na pena única de oito anos de prisão.

Foi acusado pelo Ministério Público, num despacho confirmado pelo juiz de instrução criminal, de seis crimes: detenção de cartuchos e munições proibidas e, em coautoria com outros arguidos, de dois crimes de associação criminosa, um crime de tráfico e mediação de armas, um crime de terrorismo e outro de tráfico e outras atividades ilícitas

Outro argumento a suscitar no recurso é a investigação paralela para a recuperação do armamento, dado que "se houve uma investigação paralela, então a investigação é nula, isso é o que dizem os princípios".

“Uma questão de justiça”

O major Roberto Pinto da Costa e o sargento Mário Lage de Carvalho, ambos da Polícia Judiciária Militar (PJM), vão recorrer das sentenças a que foram condenados, garantiu o advogado Ricardo Serrano Vieira.

“É uma questão de justiça, não está em causa a própria decisão que o coletivo tomou", afirmou o advogado, sublinhando: "Primeiro, os nossos clientes apenas exerceram as funções e cumpriram as ordens que foram determinadas e, como tal, achamos que não deviam ter sido condenados; segundo, a prova que foi produzida teria de ter, obrigatoriamente, um destino diferente daquele que teve”.

Para Ricardo Serrano Vieira, o julgamento ficou marcado pelo facto de o tribunal não ter conseguido notificar e ouvir em audiência Paulo Lemos. Também conhecido por "Fechaduras" e inicialmente arguido neste processo, Paulo Lemos era considerada a principal testemunha.

"Relembro que este é o processo que teve um cidadão que as forças de segurança e o Ministério Público não conseguiram trazer a julgamento. Era uma pessoa vital", começou por explicar o advogado.

E continuou: "Estamos a falar de alguém que assumiu perante um órgão de soberania que sabia que ia haver um assalto e que o comunicou à PJ. Isso para nós acaba por ter especial relevância, quando temos uma testemunha aqui, com funções muito importantes no âmbito da segurança do país, que nos diz que essa informação foi omitida no local onde devia ter sido comunicada. E isso faz toda a diferença neste processo".

O tribunal condenou Roberto Pinto da Costa pela prática de um crime de favorecimento pessoal praticado por funcionário e um crime de falsificação ou contrafação de documentos, num cúmulo jurídico de cinco anos, tendo a execução da pena sido suspensa por igual período.

O major da PJM – absolvido da prática dos crimes de detenção de arma proibida, associação criminosa, tráfico e mediação de armas, e denegação de justiça e prevaricação, de que vinha também acusado pelo Ministério Público – foi ainda condenado à sanção acessória de proibição do exercício de funções por um período de dois anos e meio.

Já Mário Lage de Carvalho foi condenado a uma pena de três anos de prisão, suspensa na execução por igual período, pela prática de um crime de favorecimento pessoal praticado por funcionário.

Por outro lado, o sargento da PJM foi absolvido dos crimes de associação criminosa, tráfico e mediação de armas, denegação de justiça e prevaricação, e falsificação ou contrafação de documento.

“Naturalmente, vamos recorrer”

O advogado do antigo diretor da Polícia Judiciária Militar Luís Vieira afirmou nesta sexta-feira que vai interpor recurso do acórdão que condenou o seu cliente a quatro anos de prisão, suspensa na sua execução, reiterando a inocência do coronel.

"Naturalmente, vamos recorrer para o Tribunal da Relação, aqui reiterando, decisivamente, que acreditamos na inocência do coronel Luís Vieira", declarou aos jornalistas Rui Baleizão.

Rui Baleizão, que assumiu a defesa de Luís Vieira com o advogado Manuel Ferrador, adiantou estarem "satisfeitos com esta decisão, embora não completamente satisfeitos e daí recorrer".

O coronel Luís Vieira foi condenado pelo Tribunal Judicial de Santarém a quatro anos de prisão, com execução suspensa por igual período, no processo do furto e recuperação de armamento dos paióis de Tancos.

O militar foi ainda condenado à sanção acessória de proibição do exercício de funções por um período de três anos.

Rui Baleizão salientou que o militar foi o único que ficou em prisão preventiva após primeiro interrogatório judicial, frisando que acreditou na inocência daquele.

"Ora, ele aparece aqui pronunciado por cinco crimes do qual apenas é condenado por um - favorecimento pessoal - e que está relacionado com o pseudo acordo [para a recuperação do armamento]", declarou, considerando que "não há prova material que, efetivamente, tenha sido feito este acordo".

Luís Vieira vinha acusado pelo Ministério Público dos crimes associação criminosa, tráfico e mediação de armas, falsificação ou contrafação de documentos, denegação de justiça e prevaricação e favorecimento pessoal praticado por funcionário, tendo sido condenado apenas por este último crime.

Advogado de Azeredo critica processo

Germano Marques da Silva, advogado do ex-ministro da Defesa Azeredo Lopes critica a forma como o processo se desenrolou até chegar ao julgamento.

“Este parecer é uma vergonha do princípio ao início do julgamento por incompetência de todos os que intervieram no processo até ao início do julgamento”, afirmou aos jornalistas.

Marques da Silva apontou o dedo à Polícia Judiciária, ao Ministério Público, ao processo de instrução”, entre outros.

“Quando se fala hoje que é preciso reformar a justiça, não é só códigos, é preciso exigir que as pessoas que intervêm sejam competentes”, defendeu.

O caso do furto das armas foi divulgado pelo Exército em 29 de junho de 2017 com a indicação de que ocorrera no dia anterior, tendo a recuperação de algum material ocorrido na região da Chamusca, Santarém, em outubro de 2017, numa operação que envolveu a Polícia Judiciária Militar, em colaboração com elementos da GNR de Loulé.



[Notícia atualizada às 14h30 com declarações dos advogados dos principais arguidos]