Na região de Lisboa e Vale do Tejo há quem espere dois anos por uma vaga numa unidade de cuidados continuados de longa duração. A denúncia é feita pelo presidente da Associação Nacional de Cuidados Continuados.
E, segundo José Bourdain a culpa não é só da falta de oferta, mas também da falta de coordenação entre a Segurança Social e a Saúde ao nível das várias respostas.
“Na região de Lisboa e Vale do Tejo, para a tipologia de longa duração, que é onde há mais necessidade de camas, chega-se a estar um ano, dois anos à espera para ingressar em cuidados continuados”, diz.
Segundo José Bourdain, isto tem que ver com o facto de, por um lado, haver falta de camas em cuidados continuados, mas também, por falta de camas em lares idosos.
“Há também falta de mais vagas em centros de apoios domiciliários. Muitas pessoas que estão em cuidados continuados ou em lares de idosos podiam ir para casa, por exemplo, e ter apoio domiciliário e frequentar centros de dia. Há pessoas que estão em cuidados continuados podiam estar em lares de idosos e vice-versa. É um problema geral, digamos assim. Era importante que houvesse mais respostas, mais vagas e que houvesse uma melhor coordenação entre a Segurança Social e a Saúde ao nível das várias respostas sociais e respostas na área da saúde”, defende.
Mais 5.500 camas orçamentadas no PRR
O Governo espera resolver o problema com a construção de mais 5.500 camas orçamentadas no PRR, 1.900 das quais na região de Lisboa.
No entanto, o presidente da Associação Nacional de Cuidados Continuados não acredita e admite até que se as atuais condições não se alterarem este projeto de construção de camas para cuidados continuados resulte num grande fracasso.
“Fala-se que o PRR dá 100% a fundo perdido, mas dá 100% de uma verba que é irrealista, ou seja, ao custo que está o metro quadrado de construção hoje em dia, o PRR comparticipa à volta de 30% a fundo perdido, mais ou menos entre 25 a 30% o que é muito pouco”, sinaliza.
No entender deste responsável, “significa que quem concorrer ao PRR para construir camas em cuidados continuados vai ter de se endividar junto da banca em vários milhões de euros. Tendo em conta que os cuidados continuados são subfinanciados, eu tenho sérias dúvidas e sendo a tipologia de longa duração, a que mais camas vai ter em cuidados continuados e que mais necessidade há. Sendo a mais mal paga mais subfinanciada, eu receio que o PRR, seja um enorme flop”.
“Estão 5.500 camas anunciadas, mas receio que haja muito poucas entidades a concorrer e, por essa razão, não haja concretização do investimento”, lamenta.
José Bourdain receia ainda que algumas das unidades que existem neste momento possam ter de fechar portas porque estão subfinanciadas e porque tudo sobe – diz – menos a comparticipação do Estado.
“Há uma legislação desde 2007, quando a rede de cuidados continuados foi criada, que diz que os preços têm que ser atualizados com base na inflação do ano anterior. O Governo sucessivamente não atualiza os valores face à inflação. Este ano voltou a não o fazer. Portanto, em janeiro, o aumento foi zero e eu recordo que, no caso das portagens, nas parcerias Público privadas rodoviárias, o Governo atualizou os preços com base na inflação. E os aumentos de custos para quem opera nas autoestradas, nem de longe nem de perto, são iguais aos dos cuidados continuados. E, portanto, aí está dois pesos e duas medidas”, atira.
Solução mais rápida para os chamados casos sociais mitigava o problema
À Renascença, Filomena Cardoso da direção executiva do SNS diz que o problema para a falta de vagas na rede de cuidados continuados podia ser mitigado se houvesse uma solução mais rápida para os chamados casos sociais: um terço das vagas estão ocupadas por utentes que não têm alternativa, porque não há vaga em lares ou porque as famílias não os querem (ou podem) receber.
“Com a segurança social estamos a trabalhar a possibilidade de ir passando os doentes da rede, que são casos sociais, para serem colocados pela Segurança Social em ERPI”, adianta, destacando que “os outros temos de trabalhar com as famílias”.
“Às vezes as situações são complicadas porque as famílias não querem participar - economicamente a segurança Social fez o estudo e não são doentes elegíveis para ter uma vaga em ERP e comparticipada pela Segurança Social, tem que ser pelas famílias e muitas vezes as famílias de facto não querem, e desaparecem, e isso dá-nos algum problema”, observa.
A situação agravou-se com a pandemia. O número de casos sociais na rede de cuidados continuados triplicou e por causa da falta de soluções há quem fique até dois anos a ocupar indevidamente uma vaga, reconhece Filomena Cardoso.
“Sei que há pessoas que estão a aguardar há bastante tempo. Há pessoas que estão a aguardar há dois anos. Não sei se há alguma que está a aguardar mais tempo. É um bocadinho uniforme pelo país todo. Esta percentagem é um bocadinho uniforme pelo país todo. Enfim, posso ter 33% em Lisboa e 31% no centro, mas ronda os 30%”, aponta.
Questionada sobre se a situação piorou com a pandemia, a responsável assume que sim.
“Piorou sim, depois da pandemia. Nós começamos a ter alguns casos sociais na rede que foram alargando até cerca de 10%. Isso foi um crescendo que de facto a pandemia agravou muito”, diz.
Contactado pela Renascença, o Ministério do Trabalho e da Segurança Social remete a solução para o alargamento das vagas decorrentes do financiamento do PRR, mais 5.500 que se prevê que surjam até 2025.
Em paralelo diz que está a desenvolver um planeamento das altas hospitalares em articulação com a Saúde para intensificar a saída dos utentes dos hospitais para estruturas de retaguarda, nomeadamente estruturas residenciais para pessoas idosas e lares residenciais para pessoas com deficiência.