O arcebispo de Évora pediu esta quarta-feira um “tratamento específico positivo” para o interior que não quer ser “considerado como um peso, mas sim como uma possibilidade”.
“O interior merece um tratamento específico, assim como a insularidade tem um tratamento especifico, também o interior devia ter um tratamento específico positivo, com um conjunto de iniciativas que facilitassem a nível fiscal, a vinda de empresas para esta região”, declarou D. Francisco Senra Coelho, para quem “o interior não pode ser considerado como um peso, mas sim como uma possibilidade em aberto.”
O prelado falava numa conferência de imprensa, destinada a apresentar a primeira reflexão da Comissão Justiça e Paz, recentemente nomeada, para refletir diferentes temáticas e apontar pistas sobre o papel da Igreja face à realidade atual.
O documento analisa a problemática do despovoamento no Alentejo e o surgimento, cada vez mais patente, de migrantes na região, com a Igreja a disponibilizar-se para dar o seu contributo quanto à forma de contornar uma realidade que pode tornar-se “catastrófica”.
“Se prosseguirmos neste caminho, vamos desaguar numa dimensão catastrófica do interior e não vamos ter possibilidade de encontrar mão-de-obra, a não ser na imigração”, referiu o arcebispo, exemplificando com as dificuldades já sentidas pelas instituições ligadas à Igreja.
“Começamos a ter localidades onde os centros sociais não conseguem recrutar funcionários para os seus centros de dia, para os seus serviços de apoio domiciliário ou o apoio permanente aos idosos. É grave quando o interior se transforma numa reserva para os idosos e onde já começa a ser difícil encontrar servidores para os acompanharem”, denunciou o prelado.
Para D. Francisco Senra Coelho, o despovoamento está relacionado com o investimento, neste caso, a falta dele. “O desinvestimento no interior gerou um conjunto de encerramentos, a nível da saúde, da edução, serviços públicos”, sendo “um convite à partida das pessoas”, acrescentou.
“Estamos a levantar as tendas para encerrar o acampamento. Esta dimensão reveste-se de muita gravidade na medida em que encerra uma leitura da sociedade a partir do angulo meramente económico, e o investimento também acontece na dimensão social e na pessoa humana”, sublinhou o arcebispo de Évora.
Por tudo isto, é necessário “inverter o status quo”, com o Pastor a chamar ao centro do debate a universidades de Évora, os politécnicos e os empresários da região.
“A universidade de Évora é uma esperança para a nossa região e é importante assumir esta dimensão da inovação, da capacidade tecnológica, trazendo para a nossa região perspetivas para os que aqui estudam, possam cá ficar”, aludiu.
Em declarações aos jornalistas, o arcebispo defendeu um “investimento que não deve ser dissociado da dimensão biológica”, com o Alentejo a não ter apenas como vocação, “a produção intensiva ou ultra intensiva”, com consequências ecológicas nefastas para o ambiente, defendendo, sim. uma “agricultura tipo biológico”, onde exista “possibilidade de qualificação e de realização.”
Para segurar a população, entre outras medidas, o prelado propõe a titulo de exemplo “a descentralização de um conjunto de serviços que não têm apenas que estar nas grandes cidades, mas podem perfeitamente prestar o serviço a que estão destinadas, neste interior.”
Igreja quer combater tráfico e exploração de migrantes
Ao Alentejo chegam cada vez mais pessoas, oriundas de vários países, para trabalhar, sobretudo, na agricultura. A arquidiocese já disponibiliza algum apoio a estes migrantes, nomeadamente em termos de apoios sociais ou no ensino da língua, contudo D. Francisco lembra que é necessário fazer muito mais no acolhimento a estas pessoas, muitas vitimas de tráfico e exploração.
“Os serviços competentes devem acompanhar com delicadeza, porque é delicado o tema, é vasto e muito complexo. É um tema internacional e pode envolver inclusive redes de máfias de comercio humano”, alerta.
“Era importante que este sector fosse devidamente acompanhado para que não tivéssemos surpresas sobre estes mundos, que eu diria, de dimensão desconhecida, ou podemos mesmo falar em submundos crípticos, subterrâneos”, refere o arcebispo.
Lembrando que esta é “uma realidade com que nos vamos confrontar durante muito tempo”, D. Francisco Senra Coelho lança um desafio: “Gostaríamos muito de ser companheiros e, ao mesmo tempo, de sentir ao nosso lado, nesta preocupação, todos os responsáveis e que não fosse apenas tema de dimensão politica em campanha eleitoral, mas que fosse efetivamente compromisso na realização e na concretização dos programas assumidos em campanhas”.