Arrancou a terceira edição do Summer CEmp, iniciativa da representação da Comissão Europeia em Portugal. Pela segunda vez no Alentejo, agora em Monsaraz, no distrito de Évora, quatro dezenas de jovens debatem, de forma informal, a Europa, com o contributo de sete dezenas de oradores.
O primeiro convidado foi Mário Centeno. O ministro das Finanças e presidente do Eurogrupo juntou-se aos jovens e respondeu a todas as perguntas. E foram bastantes. A Renascença assistiu ao debate “A Europa vista… por Portugal” e faz o sumário das perguntas e das respostas.
A Europa em construção. O projeto europeu está concluído?
“Eu acho que este processo está num dos momentos mais altos da sua construção, com todos os argumentos que consigo ter, são os tais paradoxos, para debelar essa ideia de que estamos deprimidos com o processo de construção europeia. Não devemos almejar a ideia de que um dia, tudo isto está construído. O que temos para fazer é de tal maneira intrincado, que se vai expandindo de umas áreas para as outras, portanto devemos ir tranquilamente. Longas noites, reuniões de 19 horas, tomando decisões, levando essas decisões para outros grupos de decisores e depois para junto de vocês, pois a verdade é que quem vai viver mais tempo, a partir de hoje, na União Europeia (EU), são vocês e, portanto, têm que fazer essa construção. Não devemos imaginar esse ponto em que a UE está construída. O processo é demasiadamente rico e participado para que esse seja o fulcro da questão, mas sem receios em relação a maiores integrações e sem receios em usar palavras.”
Mário Centeno, o “pacificador” do Eurogrupo?
“O Eurogrupo deixou de ser um grupo de ministros das Finanças em que a guia de leitura estava marcada por uma atitude 'austoritária' ou repressiva, do ponto de vista financeiro, para algo que desafiou, dentro dos limites que conhecem, essa interpretação e que, como diz o 'Financial Times' de ontem, é apresentado como uma esperança. Isto, tentando pôr um pouco de água nesta fervura e sem que nós desvalorizemos o muito que conseguimos.”
E o que foi “o muito que conseguimos”, senhor ministro?
“É muito difícil a um país, fazer aquilo que Portugal tem feito nos últimos quatro anos e que é uma redução massiva da sua dívida, seja a dívida pública, mas principalmente a divida privada, de empresas e famílias, com um aumento do investimento absolutamente estrondoso. O investimento está, no princípio deste ano, 90% acima daquilo que foi o valor mais baixo dos últimos sete anos, no período da crise. Portugal continuou a abrir-se ao exterior com esse investimento através das exportações. As nossas exportações estão 38% acima do mínimo deste período e fizemo-lo controlando as contas públicas e crescendo. O nosso mercado de trabalho é o mercado de trabalho que tem o melhor desempenho da UE, se conjugarmos, emprego, salários e desemprego. E estes indicadores são, verdadeiramente, o fruto, obviamente do trabalho de todos os portugueses, mas daquele esforço que é valorizado lá fora. E, tudo isto está plasmado na nova visibilidade que o Eurogrupo tem. O meu contributo humilde é ser o porta-voz dessa nova maneira de colocar as questões em termos económicos e financeiros. Eu acredito nessa nova maneira de abordar estas questões.”
Num cenário de uma nova crise, Portugal, hoje visto como “esperança da Europa”, aprendeu a lição?
“Gosto muito da ideia de que tenhamos aprendido, e espero que tenhamos mesmo aprendido, que há uma linha muito fina entre o que é a divida privada e o que é a dívida pública. E não é por gostarmos mais ou menos de dívida pública, até por que ninguém gosta de dívida pública, que reconhecemos esta diferença, esta linha muito fina. Espero também que tenhamos percebido que não há nenhum sistema económico que funcione sem um sistema financeiro robusto.”
“Todo o investimento que foi feito na Europa, no mesmo jornal que diz que Portugal é a esperança da Europa, havia um texto que analisava os sistemas bancários. E essa análise dizia que os sistemas bancários na Europa estão hoje muito mais fortes do que estão nos Estados Unidos, pois o que se fez em termos de regulação e de aumento da capitalização do sistema financeiro, foi muito mais exigente do que aquilo que se fez nos estados Unidos. Sendo a última crise que passámos, única, penso que não vamos observar nos próximos tempos, uma outra crise, com a mesma dimensão e com as mesmas características, pois hoje estamos dotados de instrumentos que não tínhamos naquela altura. Eu diria que temos de olhar para as crises económicas, preparando-nos para elas e não entrando em pânico. As crises financeiras têm uma grande tendência a gerar situações de pânico, mas nas crises económicas não há nenhuma razão, com as instituições que nós temos, para gerarem esse pânico. Elas têm que ter uma resposta, mas não podem estar associadas ao pânico.”
Portugal está hoje melhor preparado. As razões de Mário Centeno
“Primeiro, porque a nossa posição orçamental, finalmente, atingiu o equilíbrio. Neste momento, nós temos um défice público praticamente nulo e isso dá-nos a margem para deixar aquilo que são os efeitos automáticos que uma crise traz ao saldo orçamental, sem ter que fazer medidas punitivas no momento da recessão. Depois, porque todos os indicadores de solvabilidade das empresas estão muito melhores do que estavam em 2008. Apesar da divida continuar elevada, ela tem vindo a reduzir-se de forma muito significativa e está na tendência certa há tempo suficiente para considerarmos que isso é uma tendência de sustentabilidade. Finalmente, porque Portugal, no contexto europeu, está hoje totalmente alinhado com o ciclo económico europeu. Nós convergimos com a União Europeia, coisa que não fazíamos naquela altura. Somos o país que tem o melhor desempenho no mercado de trabalho, como dizia há pouco, em conjunto da UE nos últimos anos. Não há complacências. Este trabalho é para continuar e espero que não haja muitos leilões tempos, ou que pelo menos, não nos deixemos levar em leilões, pois esta é uma trajetória e nós devemos continuar a ser muito sérios com ela.”
Portugal e o Brexit: “A pior parte deste processo é para lá da mancha”
“Portugal tem uma relação muito estreita com o Reino Unido. Do ponto de vista social e económico, há uma ligação histórica que se reflete na intensidade de trocas comerciais e financeiras entre ambos os países. Desse ponto de vista, uma alteração estrutural do outro lado do Canal da mancha é um desafio, e todos os desafios têm coisas boas e coisas más. Temos de estar preparados, mas também temos de ter a consciência de que a pior parte deste processo é para lá da Mancha. Não é feliz, nem infelizmente. É o que é. Isso vai-nos obrigar a algum processo de adaptação que não é caótico, não é dramático, mas vai ter que acontecer. Desperdiçamos demasiado tempo desde o momento do referendo para o preparar. Vamos ter que viver com isso.”
O ingrediente de Mário Centeno: “Um ativo” chamado “paciência”
“A paciência é um ativo, para aqueles que não são de economia, é algo que nós usamos para investir, para progredir. Numa economia, só há um agente que é responsável pela oferta de toda essa paciência, que é, precisamente, o Estado. Quando o Estado se torna impaciente, o que aconteceu meses antes do Brexit e do referendo, ou porque um Estado perdeu liquidez e fica sem capacidade de oferecer essa paciência ao resto da sociedade como aconteceu a Portugal, várias vezes nos últimos 30 anos, a hecatombe que acontece dentro dessa estrutura social, politica e no país, é absolutamente estrondosa. Desde que sou ministro das Finanças, recorrentemente ouvia lá fora, falar sobre reformas, a questão das reformas e mais reformas, o que vamos mudar, o que não vamos mudar. Eu só lhes dizia que temos uma janela e que devemos deixar que a sociedade portuguesa construa com certezas, com credibilidade, o seu caminho. Vamos dar-lhe tempo. Somos só nós que podemos dar esse tempo. Quando temos políticos que estão sistematicamente em leilões de ideias, em leilões de coisas que já foram testadas, já falharam, mas são trazidas outra vez, este fator da paciência sofre uma erosão brutal e não é essa a essência da Democracia, antes pelo contrário.
E o senhor ministro, já alguma vez perdeu a paciência?
“O pior que existe, posso dizer-lhe com conhecimento de causa, num contexto de decisões políticas é precisamente a falta de paciência de alguns decisores que levam a decisões apressadas, não ponderadas e não avaliadas. Felizmente, tive oportunidade de me preparar para estes quatro anos em que exerço como ministro das Finanças, e estou grato por isso não ter acontecido. Nós devemos ter a preparação e capacidade para manter os objetivos muito firmes, ter feito a avaliação de todas as situações e esse tipo de atitude não é uma atitude que eu conheça, felizmente.”