A Câmara de Setúbal pediu esclarecimentos ao Governo a propósito do inquérito que a Inspeção Geral de Finanças (IGF) enviou ao Ministério Público (MP) sobre o acolhimento de refugiados, anunciou hoje a autarquia.
O pedido de esclarecimentos do município presidido pelo comunista André Martins surge na sequência de uma notícia do jornal Expresso que dá conta que a investigação feita pela IGF sobre o caso de acolhimento aos refugiados ucranianos na Câmara de Setúbal resultou em dois relatórios e suspeitas de crime, tendo um deles sido enviado para o MP.
De acordo com o Expresso, em causa estarão suspeitas de crimes praticados pelo casal de russos que dirigia a Associação de Imigrantes dos Países de Leste (Edinstvo) e que a Câmara Municipal de Setúbal contratualizou para a receção de refugiados.
"A Câmara Municipal de Setúbal enviou um ofício à ministra da Coesão Territorial em que, face às notícias divulgadas a propósito do inquérito da IGF sobre o acolhimento de refugiados ucranianos em Setúbal, solicitou formalmente esclarecimentos que permitam salvaguardar o bom nome desta autarquia, recordando que, de acordo com a informação oficial transmitida pela senhora ministra Ana Abrunhosa, tal inquérito foi arquivado por seu despacho", lê-se numa nota publicada na página da Internet da autarquia.
Há uma semana, em declarações à agência Lusa, o presidente da Câmara Municipal de Setúbal, André Martins, tinha dado conta do arquivamento do inquérito da IGF sobre o acolhimento de refugiados no município.
"Estamos de consciência tranquila quanto a tudo aquilo que fizemos, fizemo-lo para servir as pessoas, com os meios que tínhamos, para nós é uma situação normal o arquivamento", afirmou na ocasião o autarca.
Questionada pela agência Lusa, fonte do Ministério da Coesão Territorial confirmou que o trabalho da IGF resultou em dois relatórios e esclareceu que o que foi arquivado foi o relatório "referente à atuação da Câmara Municipal de Setúbal em termos administrativos e financeiros".
"Este relatório identificou irregularidades que foram, entretanto, sanadas, razão pela qual se decidiu pelo arquivamento", explicou o Ministério tutelado por Ana Abrunhosa.
No entanto, de acordo com a mesma fonte, o resultado de um primeiro inquérito, concluído em junho, "foi encaminhado pela ministra da Coesão Territorial para a Comissão Nacional e Proteção de Dados e para o Ministério Público, onde decorre um inquérito judicial que está em segredo de justiça".
"Esgotadas as competências no que nos diz respeito, a matéria com relevância [do primeiro inquérito] foi encaminhado para os órgãos competentes", indicou o Ministério da Coesão.
Por seu turno, numa resposta enviada à Lusa, fonte da Procuradoria-Geral da República (PGR) confirmou que recebeu o relatório da IGF em junho e que o juntou ao inquérito anteriormente instaurado.
"Este inquérito encontra-se em investigação e está sujeito a segredo de justiça", indica a PGR.
Segundo o semanário Expresso, se o MP decidir dar seguimento à investigação, o caso pode envolver tanto o atual presidente da Câmara de Setúbal como a antecessora, Maria das Dores Meira.
Em 2 de maio, o Ministério da Coesão Territorial adiantou que o caso da receção de refugiados ucranianos na Câmara de Setúbal por alegados defensores do regime russo tinha sido enviado para a Inspeção Geral das Finanças, a quem competem os "inquéritos e sindicâncias".
"[...] Enquanto tutela da legalidade da atuação do poder local, o Ministério da Coesão Territorial remeteu o caso para a Inspeção Geral das Finanças, entidade competente para a realização de inquéritos e sindicâncias", lia-se num comunicado do Ministério de Ana Abrunhosa, que passou a ter a tutela das autarquias nesta legislatura.
O Ministério da Coesão Territorial acrescentava estar a "recolher informação adicional para posterior apreciação" sobre o acolhimento de refugiados da guerra na Ucrânia noutras autarquias, face a "denúncias sobre eventuais irregularidades".
No comunicado, o Ministério lembrava que, no caso de Setúbal, foi a Câmara que, "face às suspeitas de que é alvo quanto ao atendimento a refugiados ucranianos, tomou a iniciativa de solicitar às autoridades competentes uma investigação aos seus próprios serviços".
O semanário Expresso noticiou em 29 de abril que ucranianos foram recebidos na Câmara de Setúbal por russos simpatizantes do regime de Vladimir Putin, que fotocopiaram documentos dos refugiados da guerra iniciada em 24 de fevereiro com a invasão militar russa da Ucrânia.
Segundo o jornal, pelo menos 160 refugiados ucranianos já teriam sido recebidos pelo russo Igor Khashin, membro da Associação dos Emigrantes de Leste (Edintsvo) e antigo presidente da Casa da Rússia e do Conselho de Coordenação dos Compatriotas Russos, e pela mulher, Yulia Khashin, funcionária do município.