Mulheres, com mais de 80 anos, diabetes e um internamento superior a 8 dias: é o retrato tipo do doente que fica no hospital mesmo depois da alta clínica, por não ter para onde ir.
Estas são as conclusões de um estudo que ao longo de dois anos, entre 2018 e 2019, acompanhou os doentes de uma enfermaria do Hospital de Santo António dos Capuchos, do Centro Hospitalar Lisboa Central.
À Renascença, o autor do estudo, Miguel Martins, explica que, dos mais de 470 doentes avaliados, cerca de 20% resultaram em internamentos sociais - ficando no hospital sem razões clínicas que o justificassem. A situação implica custos, não só ao doente, ao nível da saúde do utente, que fica sujeito a complicações potencialmente evitáveis, como infeções, mas também ao hospital, que fica sem camas para outros doentes, e ao Serviço Nacional de Saúde.
“É um número substancial que, obviamente, tem impacto também nos gastos adicionais desnecessários em termos hospitalares. Cada noite num hospital custa entre 340 e 380 euros. Pelos cálculos que fizemos, os doentes todos juntos somaram mais de 944 dias de tempo para além do devido o que representa custos, só hospitalares de 343 mil euros”, diz. Isto tudo só numa das sete enfermarias de medicina interna do centro hospitalar.
O Barómetro de Internamentos Sociais de 2017 - 2019, apresentado pela Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares, demonstra que estes números podem alcançar cerca de 4% a 6% do total das camas e uma duração média de internamento de 60 a 90 dias. O que pode representar gastos anuais acima de 83 milhões de euros.
Para tentar resolver o problema, este estudo agora publicado na Ata Médica, a revista científica portuguesa editada pela Ordem dos Médicos, pretende identificar potenciais fatores de risco para internamentos sociais.
E dá algumas pistas: “Deu-nos a indicação de que o sexo feminino e o internamento clínico prolongado são, de facto, fatores com maior e maior risco de prolongar estas altas clínicas transformando-se em internamentos sociais”.
Curiosamente, adianta o especialista em medicina interna, também foi possível concluir que a diabetes justifica mais vezes as altas adiadas do que outras doenças crónicas como insuficiência cardíaca e doença renal. “Nós presumimos que possa ser porque são muitas vezes doentes com um prolongado acompanhamento e para os quais as famílias já estão mais preparadas”.
Já quanto ao peso da diabetes no adiamento das altas, o autor do estudo admite que pode haver aqui uma dupla causa: os fatores que levam à doença, “Provavelmente mais do que as outras comorbilidades que foram analisadas a diabetes pode ser um bom marcador também de uma população já desfavorecida por si só” mas não só.
Miguel Martins aponta também as dificuldades no regresso a casa “a diabetes por estar associada a insulina (em alguns doentes com diabetes mais avançada) e às dificuldades em fornecer essa terapêutica causa alguma confusão às famílias. E se uma família já está receosa de receber o familiar que está incapacitado ainda mais receosa fica quando percebe que agora terapêutica não é oral”
Do ponto de vista cultural e considerando esperança média de vida em Portugal o sexo feminino encontra-se mais suscetível à viuvez, significando uma menor estrutura de apoio e capacidade de resposta em situações de dependência.
Com base nestas conclusões o autor deste trabalho sugere um futuro estudo multicêntrico para criação de uma regra de predição clínica para estratificação do risco de internamento social na população portuguesa.