"Pode-se criar o caos no país". Dados pessoais dos portugueses continuam desprotegidos
06-02-2024 - 16:00
 • Renascença

Não há investimentos suficientes na cibersegurança em Portugal. Faltam profissionais, literacia e departamentos responsáveis. “Só em alturas de alarmismo é que os políticos perguntam de quem é a culpa”.

Os dados pessoais dos portugueses continuam desprotegidos. “Claro que continuamos vulneráveis”, confirma, à Renascença, o especialista de cibersegurança, José Tribolet. “Não há segurança a cem por cento. Nunca. Através de ataques informáticos, pode-se criar o caos no país e na Europa”, acrescenta nesta terça-feira, Dia Europeu da Internet Segura.

Qualquer plataforma digital, qualquer site coleciona informação de milhões de utilizadores e reúnem um alto risco para eventuais novos ataques informáticos. O académico lamenta que esta discussão só se dê atenção em situações limite.

“É nessa altura que os políticos prestam atenção. “Quem é que tem a culpa?””. E, para Tribolet, enquanto se atiram responsabilidades e no meio da “conversa fiada”, a cibersegurança em Portugal continua “desguarnecida” sem um departamento responsável sobre esta matéria.

"Com quem se fala sobre o ciberespaço? Se for de educação, há um ministro da educação. Se for de defesa, há um outro também”, lamenta. E, na verdade, “nem há especialistas suficientes para as nossas necessidades”.

Fala-se “de boca cheia”, sem saber a fragilidade dos dados

"Não há responsáveis”, nem há investimento suficiente. O diagnóstico de Tribolet identifica a necessidade de reforçar políticas de segurança, porque “a malta esquece-se que nada que está na internet desaparece”. “Há que ter juízo”.

Portugal pouco aprendeu com os recentes ataques informáticos à operadora Vodafone e aos sites do grupo Impresa, avalia. “Vai se andando” até à próxima crise. O cientista de computação critica o excesso de promessas do poder político e diz que “todos andam por aí” a falar “de boca cheia” sem consciência da fragilidade deste setor em Portugal.

“É inteligência artificial, é cibersegurança. Falam sem muita pouca noção do que é preciso fazer – e há tanto”. O engenheiro informático acredita que não é por falta de competência dos profissionais nem de dinheiro nos cofres nacionais, mas atreve-se a dizer por “falta vontade”.

“É a falta de capacidade de sonhar o país”. Tribolet verifica um “défice de atenção” sobre este assunto e revela que “adorava” ver estas preocupações nos programas eleitorais. E lembra que: “quem quiser paralisar as autarquias do país, é já amanhã de manhã”.

Para além dos episódios nacionais, Portugal acaba por ser “menos apetitoso” e menos suscetível a ataques internacionais, e tem evoluído em linha com o resto do cenário europeu. “A par e passo”, justifica o especialista, já que os domínios nacionais andam de mãos dadas com a NATO e a União Europeia.

“Não é só fazer cliques e está tudo bem”

“Estar e circular na internet é o mesmo que andar nas estradas. Não saímos às três da manhã para uma rua escura”. Tribolet alerta para a falta de literacia e consciência enquanto se navega no mundo digital para não tropeçar nas trevas do mundo digital.

“Não é só fazer cliques e está tudo bem”, censura. Mais do que isso. É preciso preparar a sociedade para lidar com esta realidade, adianta.

Cada gaveta dos arquivos ditos online vai se enchendo de dados que podem valer, depois de alguns malabarismos, intermináveis milhões. “É um histórico de personalidade”.

O especialista da internet defende, por isso, um policiamento maior e que se deve estar de olho a novos desafios e responsabilidades da “arquitetura informática”. É o trabalho de qualquer cidadão, assegura.

“Não é só as pessoas de bem que andam na Internet inconscientes”

José Tribolet adverte para a chamada pegada digital que dá origem a ciberataques ou que ajuda como meio de prova em processos judiciais. O cientista informático relembra o mais recente caso: a Operação Pretoriano. “É um exemplo da inconsciência dos portugueses na internet”, queixa-se.

“É engraçado ver como é que aqueles tipos andaram a trocar mensagens pretensamente com o objetivo de fazer uma intervenção ilegal e não-democrática numa assembleia geral e trocaram todos mensagens nas redes sociais, sem a mínima consciência de que estavam a deixar pegadas”, conta.

Estes elementos de prova para a justiça denunciam esta realidade. “Não é só as pessoas de bem que andam na internet inconscientes, muitas pessoas de mal também”.