A polémica em torno dos contratos de associação do Estado com estabelecimentos de ensino particular ou cooperativo é um caso ideológico interessante, onde abundam ironias, preconceitos, agendas e mal-entendidos.
Quanto às ironias, uma leitura superficial da questão obriga a reparar que, desta vez, são as esquerdas que querem racionalizar e reduzir a despesa e o lugar do Estado na educação, enquanto a direita parece fazer o papel de gastadora de recursos públicos e de advogada da presença estatal nesse setor. Mas se esta invulgar divisão de posições existe não é por si mesma, mas por aquilo que por detrás da despesa, ou da sua contenção, se revela. O combate aos contratos de associação, nos termos dos quais o Estado subsidia turmas em escolas privadas, não é, ou não é principalmente, uma questão financeira; é uma velha questão ideológica e uma velha intenção programática típica da visão de todos os que têm dificuldade em conceber vida social para lá do monopólio, governamentalizado, do Estado e dos seus (sempre incompletos) serviços. Era fatal que a fronda das esquerdas decidisse dar corpo ao seu preconceito anti privados (que é um preconceito anti cidadania). E o combate começou cedo, porque ao preconceito se juntou a agenda: o Ministério da Educação é hoje uma das fachadas da pressão sindical que está a manietar quase tudo – e já muitos notaram quão esdrúxulo é Tiago Brandão Rodrigues aceitar prestar contas trimestrais a Mário Nogueira!
É preciso, pois, ir ao essencial desta questão. Não se trata de querer gastar mais ou menos, ou de ser militante da escola pública ou da escola privada. O problema da rede escolar tem sido sempre mal posto. Discute-se a quem se paga, mas não para que é que se paga, e parte-se da ideia errada de que o financiamento da educação deve ser dado às escolas e não aos alunos. Ora a escola é só o local para o acesso ao ensino; o cerne do sistema tem de ser o aluno. Ao Estado não compete estabelecer onde é que cada aluno tem de aprender, mas garantir o acesso universal e gratuito à escolaridade obrigatória e monitorizar a qualidade do serviço prestado. Isto conduz-nos ao ponto fundamental: a defesa dos contratos de associação não é a defesa do que já vi chamar o “negócio dos privados” ou a “mesada aos colégios”; é a garantia da liberdade de escolha, ou seja, da “liberdade de aprender e de ensinar” consagrada (mas muito maltratada) no art.º 43.º da Constituição. Não comento aqui as tiradas anticlericais contra as escolas católicas, nem quão grave é rasgar contratos assinados há pouco e forçar alunos e famílias a adaptarem-se, a meio de ciclos de escolaridade, a outras escolas que não as inicialmente escolhidas. Chamo só a atenção para algo a que a esquerda devia ser sensível. Ao liquidar estes contratos, o Estado limita a livre-escolha das famílias do projeto educativo que preferem e condena os mais pobres a terem de aceitar o que o Estado tem para lhes oferecer. E com isto não estou a dizer que a escola pública é sempre pior do que a privada. O que quero salientar é que os contratos de associação são financiamentos aos alunos e que só assim cada família pode ir à procura da qualidade, seja privada ou pública. E se é verdade que hoje a rede escolar estatal chega mais longe, que há redundâncias e que há que economizar recursos, ao menos não se faça isto pela ideologia cega, mas pela análise detalhada do real e pela neutralidade das escolhas, avaliando onde estão as redundâncias e, perante elas, fechando a pior escola, seja ela privada ou pública. O bem-estar dos alunos e a qualidade do ensino têm de estar acima da ideologia e dos seus enviesamentos.