A Comissão Europeia debate e aprova esta quarta-feira o chamado "semestre europeu" de coordenação de políticas económicas e as recomendações por Estado-membro em matéria de política económica. Lisboa e Madrid esperam, sobretudo, as decisões sobre o Procedimento por Défice Excessivo.
Notícias recentes davam conta de um possível agravamento dos procedimentos e inéditas sanções, devido a alegados “esforços insuficientes” de correcção dos défices, no quadro do Pacto de Estabilidade e Crescimento.
Segundo o site de notícias sobre assuntos europeus Euractiv, na reunião da Comissão na semana passada houve um “amplo reconhecimento” de que Portugal e Espanha são casos para lançar o procedimento de sanções. A acontecer, seria a primeira vez.
O executivo comunitário apressou-se a garantir que ainda não tomou qualquer decisão e os especialistas contactados pela Renascença em Bruxelas consideram que “não é sensato” a Comissão avançar com sanções contra Portugal e Espanha.
É essa a opinião de Grégory Claeys, investigador no Bruegel, principal centro de reflexão sobre questões económicas na capital belga.
“As ameaças de sanções não funcionam. Já houve tantas ameaças e nunca funcionou. Houve incumprimentos, mesmo por parte dos países que estavam sob ameaça de sanções”, argumenta.
“Politicamente, seria muito difícil fazer isso. Seria um choque político. Numa altura em que há tanto eurocepticismo, aprovar sanções contra um país como Espanha ou Portugal, que fizeram tantos esforços nos últimos anos, seria muito mau para a Europa”, diz ainda Claeys.
Em entrevista à Renascença, a antiga ministra das Finanças Maria Luís Albuquerque afirmou que aplicar sanções a Portugal seria uma "injustiça".
"Talvez seja melhor adiar"
Karel Lannoo, do Centro de Estudos de Política Europeia, considera que a Comissão Europeia “devia ter em conta a situação política e económica de cada país” antes de tomar uma decisão.
“Se a retoma do crescimento é frágil, então se calhar é melhor não ser tão drástico”, afirma Lannoo. “Talvez seja melhor adiar”, reconhece. “Mas então qual seria o melhor momento para aplicá-las?”, questiona este belga, que é um dos principais investigadores daquele “think tank”.
Portugal deveria ter reduzido o défice abaixo do limiar dos 3% do PIB em 2015. Mas, de acordo com os dados validados pelo gabinete de estatísticas da UE (Eurostat), o défice de Portugal no ano passado foi de 4,4%, incluindo o impacto orçamental da medida de resolução aplicada ao Banif, que valeu 1,4% do PIB.
A situação de Espanha ainda é mais grave, com um défice de 5,1% em 2015 e um impasse político que deu origem a novas eleições dentro de pouco mais de um mês.
Charles de Marcilly, da Fundação Robert Schuman, considera que a Comissão deverá analisar se os esforços de Portugal na redução do défice são conjunturais ou estruturais. “A Comissão também pode considerar que houve circunstâncias excepcionais”, acrescenta, em alusão ao processo de resolução do Banif que “custou” 1,4% do PIB português.
Decretar sanções contra um Estado-membro é “uma mensagem política difícil”, reconhece. Mas este especialista em questões europeias garante que “há divisões no seio do colégio de comissários, entre os partidários de uma linha mais dura para quem não cumpre e os que são mais flexíveis”.
Juncker é contra
A Renascença confirmou que o presidente Juncker e os comissários português e espanhol são contra as sanções.
“Em geral, o que acontece é que a Comissão decide não aplicar sanções. Mas pedir ao país que faça um pouco mais para provar a sua boa fé. Isso já foi feito recentemente em relação à França. Pediram mais medidas adicionais para demonstrar que iam na boa direcção”, afirma Grégory Claeys.
“Poderia ser bom ter uma negociação, uma discussão entre o Governo português e a Comissão para mostrar que estão na mesma linha. Talvez o governo português possa mostrar a sua boa vontade em não deixar as finanças públicas deteriorarem-se demasiado. Mas acho que não deve juntar austeridade à austeridade”.
Grégory Claeys considera ainda que as regras orçamentais europeias deviam ser mais simples. “Tornaram-se tão complexas que leva a diferentes interpretações e os países que tem mais força, tem mais poder para negociar. De facto, é por isso que as sanções nunca foram aplicadas à França ou à Itália apesar de também não terem cumprido as regras”.
A proposta da Comissão Europeia terá depois de passar pelo crivo do Conselho de Ministros das Finanças da UE, onde o Governo de António Costa dispõe de uma oportunidade para convencer os parceiros europeus a não seguir as sanções, se for essa a decisão política da Comissão.