Foi até há um ano conselheiro de Estado. Aos 87 anos, Domingos Abrantes olha para os 49 anos do 25 de Abril com desencanto face à atual situação política nacional. Em entrevista ao podcast Avenida da Liberdade, mostra-se “apreensivo” com a atual situação política e preocupado “em relação às novas gerações”.
Na opinião do antigo deputado comunista, “a vida política portuguesa é hoje marcada por uma grande desonestidade e falta de ética”. Domingos Abrantes dá como exemplo o caso da TAP. “Há uns meses a TAP era uma linha vermelha. As mesmas pessoas que diziam ‘só por cima do meu cadáver’, agora falam na maior das calmas na privatização. Onde é que está a ética?” interroga-se o comunista.
Domingos Abrantes considera que há uma “promiscuidade” entre poderes que “leva as pessoas à antipolítica”. O antigo dirigente do PCP alerta que “a antipolítica foi sempre a arma do fascismo. O Hitler e o Salazar vieram para por isto em ordem, e depois sabemos o que aconteceu”, conclui o comunista que diz hoje não distinguir as políticas do PS das do PSD.
Questionado sobre os valores da Revolução de Abril, Domingos Abrantes considera que “já não é um problema de cumprir. Começa-se a pôr o problema de recuperar, porque não andámos para a frente, andámos para trás!”
A fuga de Caxias durou 60 segundos, mas pareceu uma “eternidade”
Nas memórias dos dias da ditadura está gravada a célebre fuga da prisão de Caxias, em que Domingos Abrantes e outros 7 “camaradas”, arrombaram o portão da cadeia com o carro, um Chrysler, blindado que Hitler tinha oferecido a Salazar.
“A polícia tinha tomado medidas para tornar quase impossível qualquer fuga”, lembra Domingos Abrantes. Mas em 1961, na tarde de 4 de dezembro, à vista de todos, ele e outros detidos conseguiram escapar.
“A fuga demorou 60 segundos, mas para quem vai a fugir, os 60 segundos são uma eternidade. E há uma parte final que foi sobre fogo cerrado. O carro foi atingido com 19 tiros”, recorda Domingos Abrantes que entrou para o banco de trás do carro.
O carro em causa tinha sido reparado durante meses pelo seu companheiro de partido, António Tereso que tinha trabalhado na Carris e tinha alguns conhecimentos de mecânica.
“A fuga levou 19 meses a preparar”, conta Domingos Abrantes ao Avenida da Liberdade que recorda que a polícia “assistiu a tudo desde o primeiro ao último segundo completamente paralisados”.
É que António Tereso que preparou o carro para a fuga, tinha também deixado sem combustível os outros carros da polícia, impedindo assim uma perseguição. “Nós só víamos o carro ao longe, e ao longe parecia maior do que era e parecia que tinha mais uma porta do que tinha”, recorda a rir Domingos Abrantes.
“Acabamos por ter de ir 6 no banco de trás!” conta o dirigente comunista que diz hoje a rir que foram como “sardinhas em lata”. “O carro ia na máxima velocidade, e a malta dizia “Tereso carrega no acelerador!” E ele dizia, “mas isto já não dá mais!”, “-Carrega!”. Tal era a pressa de deixar de ver a cadeia!” relata o então foragido.
Preso por diversas vezes, Domingues Abrantes não esquece os interrogatórios da PIDE na sede da Rua António Maria Cardoso. “Ele perguntou-me quem eu era, e eu “Moita Carrasco!” Zero! Eu nunca disse à polícia, nem o nome, nem bom dia, zero, zero!” explica Domingos Abrantes.
Do tempo passado em que foi preso por mais de uma vez na rua, o antigo conselheiro de Estado recorda os momentos da “tortura do sono” a que foi sujeito pela PIDE e o dia em que se casou no Forte de Peniche, onde estava então detido.
Já sobre o 25 de Abril de 1974, lembra que partilhou com Álvaro Cunhal o voo de regresso a Portugal. “Nós saímos à frente, apareceu-nos o Jaime Neves e vimos um coronel a bater continência a comunistas. Parecia inimaginável. A multidão era enorme e estivemos quase a ser esmagados, partiu-se um vidro tal era a euforia das pessoas para nos abraçar. Chegamos cá fora, vimos muitas bandeiras vermelhas. Uma manifestação gigantesca. Nunca tínhamos visto tantas bandeiras a esvoaçar na rua! É indiscritível”, recorda Domingos Abrantes.