A atual Constituição portuguesa “evidentemente precisa de obras”, quem o afirma é um dos deputados da Assembleia Constituinte. João Mota Amaral alerta, em entrevista ao podcast Avenida da Liberdade que a última grande revisão da lei fundamental foi em 1997 e que são necessárias reformas.
“Estamos há 25 anos sem rever a Constituição, entretanto o mundo mudou! O mundo de hoje não é o de 1997, é outro completamente diferente”, sublinha Mota Amaral que conclui que é “preciso dar uma olhadela na Constituição, modificá-la em algumas coisas, melhorá-la e avançar-se nas questões da autonomia regional”
O antigo presidente que liderou o Governo regional dos Açores durante 19 anos lembra também que no atual contexto de guerra na Europa, era importante haver “uma reactualização da importância geoestratégica dos Açores e da sua localização geográfica no meio do oceano Atlântico”.
Esperando que as tensões no centro da Europa “se resolvam”, Mota Amaral lembra que a “importância dos Açores é grande e mantém-se”. Nascido em Ponta Delgada, o antigo presidente refere que há novos aspetos como “as telecomunicações” que devem merecer renovado olhar sobre os Açores que está “na periferia da Europa, mas no centro do Atlântico”.
Questionado sobre o descrédito da política hoje em dia, Mota Amaral considera que há a “perceção de que algumas pessoas estão na política para se servir e não para servir”. Na opinião do fundador do PSD isso “é doentio”, e “não corresponde à marca genética inicial” da política nacional e mostra “um enfraquecimento e decadência das instituições”.
A sede do Expresso era uma “centro de operações” no dia 25 de abril de 1974
Foi um telefonema de um amigo que acordou Mota Amaral no dia 25 de abril de 1974 a contar que estavam em marcha “movimentações militares”. Embora não fosse jornalista, mas já tivesse colaborador com o semanário Expresso, foi na redação do jornal que passou a tarde desse dia
Ao podcast Avenida da Liberdade recorda que se reuniram várias pessoas na sede do Expresso, diz mesmo que “era uma espécie de centro de operações ligado aos deputados da ala liberal, e aos liberais que tinham tido um encontro em 1973”.
Lembra-se do “grande entusiasmo” e que iam “recebendo comunicações. Havia um contato estabelecido para o Grémio Literário, onde se encontrava um assessor de imprensa do Marcelo Caetano que foi instrumental para estabelecer o contato com o General Spínola para sua casa”, conta Mota Amaral que remata dizendo que “foi um bocado aventuroso tudo isto!”
Considera que a entrada em cena de Spínola foi tranquilizadora, naquele dia em que se davam os primeiros passos na liberdade. “Estávamos a viver uma verdadeira aventura e de alguma forma, eramos também homens e mulheres sem sono! Era preciso viver aquela liberdade que tinha surgido repentinamente e para a qual tanto tínhamos ansiado, e para a qual tanto intensamente nos tínhamos batido.”
Mas os dias que se seguiram com o PREC, não foram bem o que pensaram, admite Mota Amaral que lembra que a chegada de Álvaro Cunhal a Lisboa alterou o curso dos acontecimentos.
“O MFA proponha que houvesse um alargadíssimo debate, e que, em função desse debate se realizassem eleições para uma assembleia constituinte, mas o líder do PCP, Álvaro Cunhal ao chegar a Lisboa apresenta um programa para uma revolução imediata, e a começa imediatamente essa revolução e as tensões posteriores derivam daí”, lembra Mota Amaral.
A história do banquete de frango do PCP no meio do cerco à Assembleia da República
Com um processo revolucionário em curso, o fundador do então PPD, Mota Amaral integrou em 1975 os trabalhos da Assembleia Constituinte. Na sua opinião “foi uma Assembleia de altíssimo nível”, em que “todos os partidos apresentaram o melhor que havia em Portugal como candidatos”. No seu entender havia “pessoas preparadas para discutir os grandes temas de uma organização de um país”.
Nas ruas, “estava em curso um processo revolucionário. Havia ocupação de terras, de fábricas, de empresas, de casas, havia todo um processo de nacionalizações selvagens, principalmente depois do golpe do 11 de março”, recorda desses dias Mota Amaral.
O deputado da constituinte diz, no entanto que “na Assembleia Constituinte pretendia-se, desde o início, ter um período de discussão aberta, um período antes da ordem que permitisse ser discutida a evolução da situação política”.
A 12 de novembro de 1975 dá-se o cerco ao parlamento. Os deputados ficam 36 horas fechados na Assembleia. Questionado sobre do que se recorda em particular, Mota Amaral conta uma das histórias que lhe ficou na memória.
“Houve aquele episódio, de alguns a dizer que ‘Vamos ficar aqui, é preciso ter cautela, é melhor tomar uns saquinhos de açúcar – que se esgotaram logo - com água, para aguentarmos, porque não sabemos a que horas vamos sair daqui!’ Depois correu que os deputados do PCP estavam a banquetear-se numa sala e, bom, organizou-se um movimento dentro dos corredores do Palácio. Recordo-me bem da indignação da Sophia de Mello Breyner e do velho Raul Rego. Fomos invadir, eu também, a sala onde estavam os PCP comendo frango à grande, para lhes retirar os pertences e entregá-los aos funcionários da assembleia que não tinham culpa nenhuma de estarem ali presos”.
Episódios que marcam as memórias dos dias que se viveram depois do 25 de abril e que são recordados em mais um episódio do podcast Avenida da Liberdade que pode escutar nas plataformas digitais, a Popcast, incluída.