Reconheço, há demasiado tempo, a minha incapacidade para compreender a estratégia de Rui Rio na liderança do PSD. Contudo, admito que exista. Foge certamente a todos os parâmetros que considero minimamente normais na condução da política, mas só posso lamentar os maus resultados obtidos até aqui.
Desta vez, admito, não se limitou a tirar só um coelho da cartola: tirou Moedas. Alguém que pode, finalmente, endireitar a Direita e devolver alguma sanidade e equilíbrio ao jogo democrático. Um engenheiro que sabe como custa fazer pontes, construir consensos e atingir metas que só se obtêm com ambição e diálogo. Devíamos estar-lhe gratos.
Sem Direita, o domínio desta Esquerda tripartidária e meio partida que nos governa, num período particularmente mau das nossas vidas, não tem o menor estímulo a superar-se e, pelo contrário, vê em cada ação e omissão, mais ou menos medíocre, a legitimação de um poder incapaz de nos resgatar do mínimo de sobrevivência da chamada “cepa torta”.
Não é má vontade, é mesmo aquele princípio de ineficiência resultante da total ausência de concorrência. Não admira, assim, que as sondagens premeiem Costa e a única voz de bom senso sobrante: o Presidente que, qual professor dedicado, vai tentando retirar o máximo rendimento possível da turma a que lhe coube presidir.
A semana passada, pela primeira vez, Rui Rio surpreendeu positivamente ao apresentar, mesmo com o desajeito que lhe é típico, o candidato autárquico a Lisboa: Carlos Moedas. A precipitação parece ter sido devida ao facto de o Expresso ter sabido muito antes do que o próprio PSD quem seria o candidato, mas não importa – todos ficámos a saber qual o segredo das listas posteriormente apresentadas, com ainda menor eficácia do que este anúncio inicial.
Carlos Moedas não é só um bom candidato. É um excelente trunfo e Medina não vai voltar a dormir descansado até à noite eleitoral. Um político com fama de tecnocrata a que ninguém consegue retirar o mérito de ser uma inteligência superior. Mas, sobretudo, alguém que me parece nas antípodas da política “à Rio” e com verdadeira capacidade de fazer frente, não apenas a Medina, na Câmara de Lisboa, mas a Costa na governação do país. Para cúmulo, Moedas não escondeu que é isso mesmo que vai fazer.
Onde fica Rio nesse novo triângulo, não faço a menor ideia, mas não é difícil imaginar que Moedas não surge apenas para restituir Lisboa “às pessoas” expressão que usou e abusou na sua intervenção de apresentação desta quinta-feira.
Já não era mau que devolvesse a Lisboa às “pessoas” forçadas a abandoná-la em consequência desta deriva de Medina nos últimos anos, fascinado por uma capital feita à medida do” boom turístico” que tornou a capital caríssima “vazia de autóctones,” mas muitíssimo agradável para os visitantes.
Não se diga que a culpa é da “Lei Cristas”, porque os fundos camarários existem para alguma coisa e o subsídio de renda previsto na lei do CDS bem podia ter sido suportado pelas autarquias ou pelo próprio orçamento, se existisse vontade política de compensar os senhorios, evitando os despejos em massa, alguns dos quais claramente desumanos.
Confesso que tenho simpatia e estima pessoal por ambos os candidatos, mas, enquanto lisboeta, nascida num dos bairros históricos e desde a idade adulta “freguesa”, primeiro na periferia e, há mais de 20 anos “nas velhas” avenidas novas, não escondo que sou parte interessada.
Como se diz no futebol, que ganhem as melhores ideias, mas, as do Dr. Medina eu já conheço e confesso que, para ser sincera, nem tudo foi mau. Até me ofereceu algum bem-estar: duplicou o espaço de passeio na Avenida da República o que, numa semana, vale dois dias de fim de semana agradáveis. Dois em sete.
Pintou prédios, arranjou jardins, aumentou praças, fez do Terreiro do Paço um postal europeu, devolveu o rio à cidade, permitiu que os meus filhos passassem a usar como meio de transporte pessoal o skate e a bicicleta em boa parte da cidade. Espalhou trotinetes como se vivêssemos em Amesterdão, passou a recolher o lixo a tempo e horas e aumentou o policiamento (pelo menos por aqui…). E, claro, quando a freguesia é competente, há uma série de benefícios adicionais, médicos disponíveis e baratos serviços vários.
Pior foi o caos a todas as horas, em quase todos os lugares, instalado no trânsito de toda a cidade o que tornou impossível, por exemplo, utilizar autocarros a horas em quase todas as carreiras. E a praga da falta de estacionamento para moradores e forasteiros além da desmedida eficácia permitida à tribo para-policial da EMEL.
Mas adiante, que isso é matéria das próprias eleições autárquicas. Isto para não falar da ideia genial da Praça de Espanha em termos de mais espaços verdes e no recuo nos jardins da Segunda Circular que, se tivesse avançado, retirava aos socialistas qualquer hipótese de reeleição.
Sobre Moedas e as suas ideias ainda não sei nada. Não sei se os carrinhos de bebés depois das trotinetas de Medina vão poder circular, pelo menos nalguns espaços, não sei se as cadeiras de rodas vão poder sair à rua, não sei se o trânsito se manterá caótico e as promessas de “mais cultura , ciência e tecnologia” são consensuais, mas não me bastam. Aqui é preciso esperar para ver, mas, melhor notícia do que as eventuais boas ideias é, para já, o próprio Carlos Moedas e o seu regresso à política a sério.
O simples exemplo cívico de quem abandona uma instituição onde se pode fazer muito bem, e é erradamente vista como espécie de “prateleira dourada”, para se vir outra vez sujeitar ao escrutínio diário da ação política é já de agradecer.
E quando alguém como Moedas vem dizer, logo na sua apresentação, olhos nos olhos, não só aos lisboetas mas aos portugueses, que “hoje a grande oposição ao poder centralista provem das cidades” (cito de memória) – ou seja, que, mesmo enquanto autarca, se for eleito, além de construir por si uma frente de Direita por oposição à frente de Esquerda governante, vai finalmente fazer oposição – a ambição só pode ser de louvar.
E não é má vontade contra o Governo. É porque não há governos nem bons, nem sequer razoáveis, com oposições más ou medíocres. Ora, nós precisamos de Governos muito bons e oposições no mínimo razoáveis, porque os tempos que se aproximam serão ainda pior do que os atuais que já são péssimos e não parecem ter um fim à vista.
Admitamos que a pandemia, com vacinação, novas técnicas de medicação etc…, se ultrapassa no prazo previsto pelas grandes organizações. Estaremos, lá para 2023, na cauda da Europa e com níveis de vida e riqueza próximos de 2019. O que é assustador. Pior, estaremos menos preparados, mais iletrados, mais envelhecidos, menos produtivos, menos competitivos.
Resumindo: menos resilientes, tecnologicamente menos avançados e, para cúmulo, mais pobres e endividados.
Não fiquei pessimista só por ter lido o claríssimo artigo de Nouriel Roubini hoje, no “Jornal de Negócios”, alertando para o risco de uma “Bolha Covid” em formação, sobretudo a partir da estranha evolução dos mercados bolsistas mundiais.
Ele alerta para o facto de os pequenos investidores estarem, mais uma vez, a servir de lebres às grandes fortunas. Empurrados para um crédito fácil e investimentos sem sentido, numa riqueza virtual inexistente que lhes dá, para já, a ilusão do enriquecimento fácil, até os atirar de sopetão para a mais desgraçada pobreza hiper-endividada, com o que isso traz de ameaça de uma nova crise de insolvência bancária. Eu já vi este filme.
Ele aí está de novo. A Europa, aparentemente, até reagiu cedo à crise da Covid, mas, logo que se exigiu que se mexesse, fê-lo à velocidade habitual: dois passos atrás e um para a frente. O dinheiro prometido não chega. Nem vai chegar a tempo. Os Estados, em vez de fazerem tudo para se substituir aos fundos prometidos, garantindo uma execução antecipada de todos os fundos anteriores disponíveis, transformando-os em apoios à tesouraria, às famílias, e às empresas avançam a passo de caracol. Portugal não é exceção.
Na Renascença, ouvimos esta semana um testemunho exemplar. Para se candidatar aos apoios extraordinários para os trabalhadores independentes, não contribuintes para a Segurança Social, uma trabalhadora caiu no engodo: recebeu de uma vez 400 e poucos euros e agora já vai no segundo mês em que a Segurança Social lhe cobra 60 euros de contribuição dita “normal”. O pior é que ela continua impedida de trabalhar.
Resumindo: recebeu 400 euros e esperava continuar a receber o mesmo todos os meses, mas já devolveu 120 e não tem mais onde ir buscar o essencial para viver. O Estado apanhou-a nas redes da economia “formal” (o que é ótimo!) mas, em contrapartida, a ajuda que lhe foi dada não impede que ela vá engrossar as filas do apoio alimentar.
A fome está aí de novo. Na mítica Setúbal, como denuncia D. José Ornelas, e um bocadinho por todo o lado. Quem vivia a trabalhar para comer, sem trabalho não vê nenhuma esperança e mesmo em lay off, enquanto não falta o pão, já falta a esperança.
As ajudas prometidas repetidamente não chegam. No desemprego, os papeis levam meses para analisar e outros tantos para receber. Os apoios, ou não chegam ou, quando chegam, a porta das empresas já fechou. Arriscamo-nos a só abrir a economia quando esta estiver falida.
O filme também se repete do outro lado: adivinhem quais as empresas que continuamos a “salvar”: a TAP, que já engoliu uns quatro mil milhões desta última vez e nem isso chegou para desligar a máquina.
E os projetos que continuamos a discutir? O grande aeroporto de Lisboa. Pequeno desde que foi inaugurado e cuja ampliação se discute há 52 anos. Alguém consegue explicar porque é que um regulador, chamado a pronunciar-se, demora meses para nos dizer que não pode dar nenhum parecer, nem sequer estudar o caso, porque duas câmaras estão contra e a lei diz que têm direito de veto.
Isso, todos nós sabíamos há muito mais de um ano? Quem paga o prejuízo desta ineficiência burocrática? Palpita-me que somos nós. Ou será que o regulador forçado a fazer poupanças deixou de ler os jornais, não ouve rádio nem vê TVs? Esses, jornalistas irritantes, de quem todos se queixam, mas costumam ler as leis em muito menos tempo?