Benjamin Moser apaixonou-se por Clarice Lispector há 20 anos e até hoje o biógrafo da escritora brasileira fala dela usando as palavras “paixão” e “amor”. Foi sobre este grande amor que falou perante a plateia do Teatro Municipal Baltazar Dias, no Funchal, na terceira sessão do Festival Literário da Madeira.
Este norte-americano que fala sete línguas, entre elas o português, deixou uma confissão na Madeira. “O meu sonho para a unificação do mundo luso era ter a estátua da Clarice [Lispector] ao lado da do Fernando Pessoa no Chiado”, afirmou Moser à plateia, a quem deixou o desejo de “ter esses dois gigantes juntos”.
Autor da biografia “Porquê este Mundo – uma biografia de Clarice Lispector”, editada em Portugal pela Relógio d'Água, Benjamin Moser é também o responsável pela tradução da obra da escritora da “Hora da Estrela” para inglês. Na sua opinião, através do poder da língua inglesa, Clarice tem chegado a outras partes do mundo. “A língua inglesa é muito poderosa. Pelo inglês uma escritora de língua portuguesa pode chegar à Turquia, à Suécia ou à Coreia”, afirma Moser que fala na “maldade” de traduzir a obra literária de Lispector. Ele, que tem gráficos que mostram essa disseminação da obra da autora pelo mundo, lamenta que “o mundo editorial em português dependa tanto disso. É uma coisa negativa” para a qual espera contribuir para alterar.
Numa conversa moderada pela jornalista da SIC Raquel Marinho, Benjamin Moser explicou que a partir de Clarice Lispector e deste trabalho de tradução da sua obra “foram traduzidos outros autores brasileiros”. Moser compara com o fenómeno do Nobel que trouxe mais leitores para a obra de José Saramago.
Perante uma plateia interessada e que colocou várias questões a Moser, o biógrafo falou sobre a escrita de Clarice Lispector. Questionado sobre se ela é ou não “hermética”, o escritor norte-americano disse que “é um rótulo que se impõe a algo que a gente não se quer dar ao trabalho de descobrir. Há muita preguiça neste mundo”. Mas Moser reconhece que nem todos conseguem entrar no universo literário desta escritora nascida na Ucrânia. “Mesmo os intelectuais no Brasil” dizem ao biógrafo que “não conseguem”, mas há “crianças que entendem” a escrita de Clarice.
A infância e vida familiar de Clarice foram outros dos temas abordados neste final de tarde no Funchal. Segundo o biógrafo, Clarice viveu a sua infância a contar histórias à sua mãe doente. “O que ela fazia era distrair a mãe”, conta Moser que explica que “ela contava histórias sobre milagres com pessoas que morriam, tinham acidentes de carro e quando perdiam a esperança chegava um anjo e a pessoa salvava-se”.
No fundo, diz Benjamin Moser, a “menina” Clarice Lispector tinha o “sonho de salvar a mãe”. Algumas dessas histórias foram enviadas a um jornal de Pernambuco. “O meu sonho”, admite Moser, “era que algum desses contos fosse encontrado num arquivo de um jornal em Pernambuco”.
O autor que acaba de traduzir para inglês “O Lustre”, mais um livro de Clarice Lispector, conta na biografia - e trouxe essa história ao público do Funchal - que mesmo a caminho do hospital onde viria a morrer, Clarice Lispector inventou uma história para o taxista que a conduzia à sua última morada. Ela disse “vamos fingir que não vamos para o hospital, vamos para Paris”, conta Moser com humor e num português com sotaque brasileiro. Ao público do Festival Literário da Madeira explicou o desespero do taxista que disse: “tenho 70 anos e tenho dinheiro para ir para Paris” e que tinha uma namorada. “Ela na cabeça dela já estava em Paris” quando chegou ao hospital, acrescentou Moser. No fundo, e recorrendo-se da sua própria experiência, esta última história terá sido um regresso à infância de Clarice, da escritora que inventava histórias para a mãe no seu leito de morte.