Morreu Silvio Berlusconi. "Meteu-se em várias alhadas, mas a direita deve-lhe muito"
12-06-2023 - 09:36
 • Pedro Valente Lima , André Rodrigues

Antigo primeiro-ministro tinha 86 anos. O diplomata e antigo ministro dos Negócios Estrangeiros António Martins da Cruz diz que "a direita e a centro-direita devem-lhe muito" em Itália, porque "teve uma ação determinante quando os partidos políticos tradicionais implodiram".

Morreu Silvio Berlusconi, antigo primeiro-ministro de Itália, segundo a informação avançada pelo Correire della Sera. O ex-presidente do AC Milan tinha 86 anos.

O político italiano já estava internado no hospital de San Raffaele, em Milão, há três dias, para tratamentos a uma leucemia mielomonocítica crónica. Entre abril e maio deste ano, Berlusconi também fora hospitalizado, dessa vez durante 45 dias, devido a uma infeção pulmonar.

Silvio Berlusconi teve uma carreira como empresário e político algo "rocambolesca", entre a polémica e o sucesso. Foi líder do Governo italiano por quatro vezes, entre 1994 e 2011, num total de nove anos de mandato - sendo o primeiro-ministro com mais anos no cargo desde a II Guerra Mundial.

Durante 31 anos, foi também presidente do AC Milan, que, sob a sua liderança, viveu alguns dos momentos mais importantes da sua história. O clube rossonero conquistou oito campeonatos de Itália e cinco taças da Liga dos Campeões sob o longo mandato de Silvio Berlusconi, que abandonou o cargo em 2017.

A vida de Berlusconi também contou com os seus capítulos controversos, incluindo acusações de prostituição de menores e até rumores de ligação à máfia italiana. No entanto, o político foi apenas formalmente condenado uma vez, em 2013, pela evasão fiscal na ordem dos sete milhões de euros e por um saco azul de 280 milhões de euros, cumprindo apenas um ano de prisão domiciliária.

Também em 2013, o empresário foi igualmente condenado a sete anos de prisão pela alegada contratação de serviços de prostituição de uma menor, Karima El Mahroug - e por suposto abuso de poder na tentativa subsequente de encobrimento do caso.

Contudo, viria a recorrer e a livrar-se das acusações em 2014, naquele que ficou conhecido como o "Caso Ruby". O Tribunal de Recurso de Milão declarava que "tal facto [coação à prostituição de menores] não aconteceu", uma vez que "Ruby" - nome de dançarina exótica de Karima El Mahroug - se recusou a ter relações sexuais com Berlusconi.

Grande parte da fortuna daquele que era considerado, até ao momento, a terceira pessoa mais rica de Itália - avaliada em 6,9 mil milhões de dólares pela revista Forbes - provinha do investimento na área dos média e da publicidade, assim como no setor bancário.

Berlusconi foi fundador e dono do grupo Fininvest, o acionista maioritário da MediaForEurope, por sua vez dona do maior grupo de média privado de Itália: a Mediaset.

Nos últimos anos, o empresário também foi presidente do Monza, clube que atualmente milita na primeira divisão de futebol italiana. No entanto, foi no cenário político que continuou a destacar-se, sobretudo como fundador e líder do partido de direita Forza Italia.

Nas mais recentes eleições legislativas em Itália, o partido concorreu - e venceu - em coligação com a extrema-direita dos Fratelli d'Italia, da atual primeira-ministra do país, Giorgia Meloni. A centrodestra - designação da aliança política - também incluía a Lega Nord, partido de direita radical de Matteo Salvini.

Um primeiro-ministro que "perguntava sempre sobre Portugal"

Em declarações à Renascença, António Martins da Cruz, antigo ministro dos Negócios Estrangeiros português, entre 2002 e 2003, relembra a "relação especial" de Berlusconi com o então primeiro-ministro Durão Barroso.

No entanto, era a Martins da Cruz que o líder italiano "perguntava sempre sobre Portugal". "[Perguntava-me] como é que nós estávamos, as nossas relações com África."

O antigo chefe da diplomacia portuguesa também recorda "as várias conversas" que teve com Silvio Berlusconi, "à margem de reuniões, como conselhos de ministros dos Negócios Estrangeiros e cimeiras europeias".

"Vinha-me cumprimentar a mim e a outros ministros dos Negócios Estrangeiros e disse-nos várias vezes - certamente para ser simpático - que preferia as reuniões connosco do que as cimeiras com os chefes de Estado e de Governo. Era uma maneira de ser dele."

Martins da Cruz não esquece as controvérsias que envolveram o empresário italiano, mas também faz questão de realçar o papel preponderante que desempenhou na cena política: "Meteu-se em várias alhadas, mas a direita e a centro-direita devem-lhe muito".

"Ele teve uma ação determinante quando os partidos políticos tradicionais implodiram em Itália. A reconstrução partidária em Itália passa muito pela dinâmica que Berlusconi lhe conseguiu trazer."

O antigo ministro dá ainda o exemplo das últimas legislativas no país, nas quais "o atual Governo [e] a senhora Meloni também devem a Berlusconi a vitória nas eleições, numa coligação em que o partido de Berlusconi participava".

[Notícia atualizada às 11h22 de 12 de junho de 2023]