- Liberdade religiosa diminui e cristãos continuam a ser os mais perseguidos
- Ásia. Um continente, vários caminhos do cristianismo
Os cristãos na China estão habituados a andar escondidos. O Estado reprime qualquer organização religiosa que não esteja sob seu controlo directo, o que leva os católicos que desejam manter-se fiéis ao Papa a serem discretos ao máximo para evitar complicações com as autoridades.
Santiago – opta por identificar-se pelo nome de baptismo porque não pode divulgar o nome próprio – é seminarista chinês, mas o seu bispo enviou-o para a Europa para fazer os seus estudos. De visita a Portugal, a convite da fundação Ajuda à Igreja que Sofre, falou com a Renascença sobre as dificuldades de viver a fé na China.
Sendo um de cinco irmãos, as dificuldades começaram bem cedo, devido à lei chinesa do filho único.
“Para nós foi uma experiência de fé. Porque a lei começou nos anos 80, mais ou menos quando eu nasci. Devido a esta lei, os pais católicos sofriam muito para poderem ter mais filhos porque para nós o aborto é impensável – é matar uma criança com alma e corpo”, conta.
“Por isso, os meus pais, para evitar isso, tiveram muitas vezes que viver escondidos, separados de nós, deixando-nos sozinhos em casa. Viviam escondidos para fugir à polícia.”
Roma e Pequim
Devido à intervenção do Estado, existem duas organizações católicas na China. Uma Igreja “oficial”, que é reconhecida pelo Estado e responde perante a Associação Católica Patriótica, e outra “clandestina”, fiel ao Papa.
A grande disputa entre Roma e Pequim é a nomeação dos bispos. A China insiste que tem o direito de nomear bispos para os fiéis do seu país, mas Roma não cede. Decorrem negociações, mas são complicadas.
O bispo de Santiago, por exemplo, recusa submeter-se à Associação Patriótica e por isso encontra-se em prisão domiciliária. “Até hoje ele tem-se mantido sempre firme na fé. Porque, para ele, ser um bispo da Igreja Católica é ser fiel à doutrina da Igreja. Por exemplo, estar em plena comunhão com o Papa e exercer o seu ministério segundo a doutrina que a Igreja nos ensina, obedecer ao Papa e ter consciência da universalidade da Igreja”, explica o seminarista.
Apesar das dificuldades, a perseguição aos cristãos já foi pior e, mesmo actualmente, o grau varia de região para região. Os tempos mais difíceis foram os da Revolução Cultural, quando todo o episcopado e a esmagadora maioria dos sacerdotes foram enviados para campos de trabalho. “Ao fim de 30 anos houve uma certa abertura e os padres já podem receber uma certa formação. Mas, como a formação é mínima, para receber uma boa formação é necessário um estudo sólido na doutrina, por isso fui enviado para a Europa para estudar um pouco. Fiz o seminário em Toledo, em Espanha, e agora estou a estudar em Roma. Quando terminar os estudos, regressarei para servir a Igreja e ajudar um bocado, sobretudo na formação”, diz Santiago.
Chegar à Europa não foi tarefa fácil. “O Governo dá-nos o passaporte, mas o visto é feito nas embaixadas. Foi muito difícil conseguir o passaporte porque quando fui à polícia pedir diziam que não me iam dar, porque era católico. Foi assim durante cerca de três meses. Mas pela graça de Deus – e eu vejo aí uma clara intervenção de Deus –, em 2008 houve os Jogos Olímpicos e durante algum tempo todos podiam receber o passaporte. Aí, o visto era o mais fácil. Se o Governo soubesse que eu vinha estudar, seguramente não me deixaria vir. Mas graças a Deus estou aqui.”
Quem é bom? Deus ou o Governo?
A Revolução Cultural foi um tempo de muitos mártires, mas também de histórias que hoje sustentam a fé dos cristãos actuais. “Naquela altura em cada povoação fazia reuniões em que perguntavam aos católicos se queriam deixar a fé ou não, ou então perguntavam: ‘Quem é bom? Deus ou o Governo?’. Quando chegou a sua vez, o meu avô disse: ‘Deus é bom’. Só por isto começaram a persegui-lo. Não só uma vez, mas todos os dias, porque ele tinha dito que Deus é bom.”
“Todos os dias faziam a reunião para o criticar, para insultá-lo, e, no final, ele pegou no meu pai e disse-lhe que um dia, por fraqueza, poderia negar a fé. Então, levou o meu pai e fugiram para não negar a fé. Disse: ‘Vamos para a montanha e levamos alguma comida. Quando acabar a comida morremos, mas não negamos a fé’. Isso, para mim, é um exemplo porque para manter a firmeza da fé, está disposto a dar a vida. É um exemplo”, recorda Santiago.
As dificuldades impostas pelo Governo e a natural estrutura hierárquica da Igreja tornam a evangelização difícil. O resultado é que as igrejas evangélicas, descentralizadas e organizadas informalmente em casas de fiéis, têm crescido a olhos vistos no país. Mas Santiago garante que católicos e protestantes não se encaram como adversários.
“Eles também são cristãos, têm a sua fé! Eles também vivem a sua fé e tentam evangelizar os outros para que possam conhecer Cristo, é uma coisa positiva. E para nós, católicos, são um exemplo, porque eles estão a fazer muitos sacrifícios. Os protestantes também são perseguidos. Quando não se querem submeter ao regime não podem viver a fé com liberdade, não podem anunciar o nome de Cristo com liberdade”, diz.
O jovem seminarista, que estuda actualmente em Roma, já foi ordenado diácono e este Verão, “se Deus quiser”, será ordenado padre. Mas a ordenação sacerdotal será muito diferente da dos seus colegas seminaristas europeus. Não haverá festa nem celebração pública. Tudo decorrerá na casa do bispo e em segredo – mas com fé.