Os acidentes de trabalho são notícia de cada vez que ocorrem mas das doenças profissionais pouco se fala. E no entanto, segundo as estimativas da OIT – Organização Internacional do Trabalho – fazem quase sete vezes mais vítimas. São um “parente pobre da Medicina do Trabalho”.
Por isso, as centrais sindicais portuguesas defendem que têm que se tornar mais visíveis e exigem estudos sobre a sua existência em setores e atividades, além de estatísticas fiáveis. Depois, é preciso promover políticas de prevenção, sem esquecer a reparação. Que, na opinião da CGTP, deve passar a ser custeada também pelas empresas – tal como acontece com o seguro para acidentes de trabalho – e não apenas pelo Serviço Nacional de Saúde.
“As doenças profissionais são o parente pobre da Medicina do Trabalho”, afirma Vanda Cruz, dirigente da UGT com o pelouro da Segurança e Saúde do Trabalho. Fernando Gomes, que tutela a mesma área na CGTP, refere um “retrato sombrio, negro” em Portugal e no mundo. “Não sabemos onde estão as doenças profissionais e não temos um sistema estatístico fiável que nos permita desenvolver políticas públicas de combate às doenças profissionais e acidentes; é preciso que as doenças profissionais tenham mais visibilidade pública, como acontece com os acidentes”.
Médicos têm que estar atentos à relação entre sintomas e profissão dos doentes
Há uma grande dificuldade em provar a origem profissional de algumas doenças e em muitos casos também há pressão para que não sejam consideradas como tal, refere Vanda Cruz. Por isso, considera que é necessário fazer uma campanha, desde logo, junto dos médicos de família, para estarem sensibilizados e atentos aos sintomas revelados pelos seus doentes e à hipotética relação que poderão ter com a atividade profissional. Em caso positivo, devem enviar uma notificação ao Departamento de Proteção dos Riscos Profissionais da Segurança Social que fará uma triagem.
“É preciso uma boa articulação entre a Saúde Pública e a Saúde Ocupacional, mas regista-se uma sub-notificação. E essa não é uma obrigação apenas do médicos da Medicina do Trabalho”, frisa Vanda Cruz, ao mesmo tempo que lembra o receio que os trabalhadores têm em os procurar – para além dos exames obrigatórios – pelas implicações que pensam poder vir a ter no seu posto de trabalho. Por isso, a UGT defende a participação de psicólogos na Medicina do Trabalho, mas externos à empresa, para melhor salvaguardar a privacidade do trabalhador.
Dados fiáveis precisam-se
“Se reduzirmos a taxa de absentismo por causa das doenças profissionais, a competitividade aumenta. Mas enquanto tivermos empresários que não olham para a segurança e saúde dos trabalhadores como um investimento, continuaremos a ter o problema de ser a sociedade a pagar um enorme encargo, que nem se conhece porque não está estudado. Porque é o Serviço Nacional de Saúde que paga os tratamentos das doenças profissionais, argumenta Fernando Gomes”.
Por isso, a CGTP defende a realização de estudos para saber que setores afetam as doenças profissionais e quais são elas, acompanhadas de estatísticas fiáveis, que permitam avançar para políticas públicas de prevenção. “E depois pensar no reconhecimento e reparação”, frisa o sindicalista.
As entidades patronais são obrigadas a descontar para um seguro de acidentes de trabalho mas que não contempla as doenças profissionais. Uma situação que a CGTP quer alterar. “Se uma empresa não investe na prevenção da segurança e saúde então terá que contribuir para os custos das doenças profissionais”. Fernando Gomes não refere em que medida, admite que seria preciso avaliar. Por isso, os estudos são importantes. “Não se sabe quanto é que o SNS gasta anualmente na reparação dos danos causados pelas doenças profissionais”.
Novos modelos de trabalho, novos riscos e mais doenças que têm que entrar na lista
Tendinites, silicose, surdez, lesões musculo-esqueléticas e cancros. São algumas das doenças que fazem parte da Lista das Doenças Profissionais e que está atualmente a ser revista. Segundo Vanda Cruz, a Comissão Nacional de Revisão da Lista das Doenças Profissionais tomou posse em janeiro e fez a primeira reunião a semana passada. Nomeou um grupo técnico que terá de apresentar resultados até ao fim de Outubro.
Uma coisa é certa: a lista terá de ser alargada a doenças provocadas pelos novos modelos de trabalho, que incluem as novas tecnologias, os horários flexíveis ou exposição a novos materiais. Ou seja, doenças provocadas pelo stress e riscos psicossociais.
E também deverá ter em conta que, em muitos casos, as doenças profissionais levam anos a manifestar-se. “Às vezes, a pessoa até já está reformada”, sublinha a sindicalista da UGT, Vanda Cruz. E nessa altura, normalmente, já não se estabelece uma relação de causalidade entre o aparecimento da doença e a profissão que exerceu na vida ativa.
Por enquanto, apenas há legislação que contempla as pessoas que trabalharam em contacto com o amianto. Nesse caso, os registos de saúde têm que ser mantidos durante 30 anos.