Cientistas portugueses descobriram aquele que é o caso de surdez mais antigo, com 100 mil anos
O fóssil - conhecido por Dar-es-Soltane II H5 – foi encontrado em Marrocos há quase meio século. Numa investigação levada a cabo pelos investigadores da Universidade de Coimbra, foi agora submetido a uma microtomografia assistida por computador.
“É semelhante a uma TAC de hospital, mas com uma melhor resolução e que permite uma observação mais detalhada. A observação das micro-CT e a reconstrução 3D [três dimensões] foram feitas com um software específico”, explica Dany Coutinho Nogueira, investigador do Centro de Investigação em Antropologia e Saúde (CIAS) da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (FCTUC).
O investigador apresenta-se como primeiro autor do artigo científico, onde explica a importância do osso temporal na paleoantropologia.
“Uma parte desse osso, a ‘pars petrosa’, é constituída pelo osso mais denso do corpo humano que, por vezes, permite uma melhor conservação em fósseis antigos. Essa parte contém os órgãos da audição (cóclea) e do equilíbrio (canais semicirculares), que são estudados em paleoantropologia para distinguir os grupos humanos (a morfologia desta estrutura nos Homo Sapiens é diferente das dos Neandertais)”, explicita o investigador.
Foi durante a tentativa de identificação do grupo humano a que o fóssil em causa pertencia que Dany Coutinho Nogueira reparou que “os canais estavam parcialmente ossificados, ou seja, tinham osso em partes onde não deviam ter”.
Assim, descobriu-se que o Dar-es-Soltane II H5 se tratava de um indivíduo que sofria de ‘labyrinthitis ossificans’, condição auditiva “que provoca a ossificação dos canais semicirculares e da cóclea”.
O cientista da FCTUC explica que a doença “implica problemas de equilíbrio, tonturas, vertigens e perda de audição. Esta patologia é muito incapacitante para um caçador-recoletor, limitando a capacidade de caçar e encontrar alimentos”.
“Dar-es-Soltane II H5 morreu alguns meses depois do início da patologia, não poderia ter sobrevivido tanto tempo sem ajuda de outros indivíduos, porque já não devia ser capaz de adquirir alimentos e caçar por si próprio, o que nos indica que havia uma forma de acompanhamento do resto do grupo, pelo menos durante alguns meses”, avança o investigador.
Dany Coutinho Nogueira avança que o estudo em questão contribui para um melhor entendimento sobre o estado de saúde destas populações, “em particular dos caçadores-recoletores, e também mostra que tecnologias recentes permitem descobrir novas informações e detetar patologias sobre fósseis descobertos há quase 50 anos”.
Até à data, foram descobertos apenas dois casos de Homo Sapiens caçadores-recoletores com esta patologia, “sendo o outro de Singa [um crânio descoberto no Sudão em 1924 e alvo de um estudo científico em 1998]”, tratando-se então dos “casos mais antigos de surdez adquirida identificados da nossa espécie”, realça o investigador do CIAS.
O fóssil Dar-es-Soltane II H5 trata-se de um osso frontal humano quase completo e de grande parte do lado esquerdo do crânio. Os investigadores sugerem que estes restos tenham pertencido a um indivíduo do sexo masculino, com idade acima dos 50 anos.
O artigo foi publicado na revista científica International Journal of Paleopathology.