“Isto é uma grande ferida na alma açoriana”, diz à Renascença o bispo de Angra, a propósito da não realização das festas do Santo Cristo dos Milagres, que foram canceladas pela primeira vez em 320 anos, por causa da pandemia de Covid-19. À Renascença, D. João Lavrador diz que não podiam ter feito de outra forma, mas ainda tem esperança em conseguir fazer sair a imagem pelas ruas, se a situação sanitária o permitir.
“As autoridades de saúde recomendaram e nós aceitámos, com toda a responsabilidade, não fazer essas festas, embora esteja prevista a possibilidade de fazer uma miniprocissão, logo que a situação o proporcione. Se não for possível este ano, já não se fará, mas poderá estudar-se a possibilidade da imagem poder sair, fazer uma breve procissão, só para as pessoas de Ponta Delgada, já que não poderá vir nem gente do estrangeiro, nem do continente, nem de outros lugares”, explica o bispo, que partilha a dor do povo açoriano com esta situação inédita.
“Praticamente não há açoriano que não tenha relação ao Santo Cristo dos Milagres. Por isso este ano ouvia-se por todas as ilhas o eco da mágoa de não poderem deslocar-se para cumprir sua promessa, para estar na festa. É quase uma obrigação, um desejo permanente”, explica D. João Lavrador, que não pôde deslocar-se da ilha Terceira até S. Miguel, para presidir à cerimónia que substituiu, este domingo (17 maio) a tradicional procissão e missa campal. Mas, enviou uma mensagem.
“Era o mínimo que podia fazer, porque realmente eu estava impedido de estar lá. Ainda pedi autorização, mas como não foi aberto o espaço aéreo, entre as ilhas não há voos, não tive hipótese nenhuma de me deslocar”, conta.
Na mensagem saudou os devotos do Senhor Santo Cristo dos Milagres “em qualquer lugar onde se encontrem”, e pediu que fizessem uma “peregrinação interior”. O que, acredita, foi cumprido por muitos. “Qualquer açoriano, se fechar os olhos e começar a interiorizar, reflete a imagem do Santo Cristo dos Milagres, porque tem-na dentro de si”.
O bispo de Angra lembra que está é uma devoção particularmente forte entre os emigrantes dos Açores espalhados pelo mundo. “O milhão e 200 mil açorianos que neste momento estão na diáspora, todos eles têm uma relação muito próxima com o Santo Cristo dos Milagres. Não só no sentido da devoção exterior e das festas que fazem, mas inclusivamente há várias comunidades que têm uma réplica da imagem do Santo Cristo na sua paróquia, desde a Nova Inglaterra à Califórnia, até Toronto, por ali fora, há várias. Eu já tive a hipótese de estar em várias delas. Onde houver um açoriano, o Santo Cristo dos Milagres está lá”.
Uma devoção que o tem impressionado desde que assumiu a diocese de Angra, em 2016. “A procissão reúne multidões e multidões ao longo das ruas de São Miguel, e não há uma única pessoa que esteja distraída! À medida que a imagem vai passando há um fixar no olhar da imagem: se a pessoa está triste, olha para a imagem e vê a tristeza refletida na imagem de Cristo. Mas, se a pessoas está alegre, está feliz e a agradecer, olha para aquela imagem e vê nela um sorriso. Quem estiver na serenidade vê-o sereno, quem estiver com muita ansiedade vê nele também aquele sentido de angústia. É curioso, é uma imagem com uma força extraordinária”, sublinha.
Este ano em vez da procissão solene e da missa campal no Campo de São Francisco, foi celebrada uma eucaristia presidida pelo reitor do Santuário do Santo Cristo, e que foi transmitida para todo o mundo pela televisão pública.
Missas retomadas em sete ilhas
A Igreja nos Açores retomou esta segunda-feira as celebrações comunitárias em sete das ilhas do arquipélago: Flores, Corvo, Santa Maria, Pico, Faial, S. Jorge e Terceira. Apenas na Graciosa e em S. Miguel as igrejas só irão reabrir ao culto no próximo dia 31 de maio. D. João Lavrador, explica que a decisão acompanha as determinações das autoridades regionais de saúde e as orientações da Conferência Episcopal Portuguesa.
“A maior parte das ilhas já não tem casos ativos, e três delas não tiveram nunca nenhuma manifestação do vírus, por isso nós achámos que em sete das ilhas iríamos começar hoje. Ficará a Graciosa e São Miguel, porque foram as duas ilhas mais atacadas, com casos que se prolongaram mais tempo – por exemplo, só ontem é que no nordeste de São Miguel foi retirada a cerca sanitária, e a Graciosa só há cerca de 15 dias é que deixou de ter manifestação de transmissão. Então, achámos por bem nessas duas ilhas prolongar, porque também aí o próprio governo alargou um pouco mais o encerramento de várias atividades”, esclarece.
Numa carta enviada ao clero açoriano, o bispo de Angra pede “a compreensão para esta diferenciação, já que as situações de saúde pública também são diferentes”. As celebrações litúrgicas devem obedecer a vários requisitos, recomendando-se a lotação máxima de 2/3 da capacidade da igreja, para que haja distanciamento entre as pessoas.
Na carta, o bispo sublinha a exigência de “responsabilidade pessoal e comunitária” neste tempo de desconfinamento, sendo obrigatório o uso de máscara, que só deve ser retirada no momento da Comunhão, na mão. Durante a Missa é suprimido o abraço da paz. Pede, ainda, aos sacerdotes e aos leigos que cumpram as regras da Direção Regional de Saúde, num tempo que continua a ser “de máxima exigência e de responsabilização de todos e cada um”.