A vida quotidiana tornar-se-á cada vez mais difícil de gerir se nada for feito para equilibrar o défice demográfico em Portugal, considerou em entrevista à agência Lusa o presidente da Associação Portuguesa de Demografia (APD), Paulo Machado.
"Mais encerramentos de maternidades, mais encerramentos de escolas, mais necessidade de equipamentos para idosos, problemas concretos por parte das famílias no suporte às pessoas mais velhas, por aí fora...", precisou o demógrafo, ao enumerar os problemas com que o país se confrontará a curto e médio prazo se não for invertida a tendência de envelhecimento da população.
Acentuar dos problemas sociais
"Adivinha-se uma situação de maior dificuldade na gestão do nosso quotidiano", assumiu Paulo Machado, antevendo "um acentuar dos problemas sociais".
"O adivinhar aqui é num sentido um bocadinho metafórico, porque na verdade nós já temos informação razoavelmente segura sobre o impacto, por exemplo, do envelhecimento da população portuguesa. E essas projeções são do Banco de Portugal", indicou, remetendo para um impacto de 14% na descida do Produto Interno Bruto (PIB), em 15 anos.
Para lançar o debate em torno desta questão a APD realiza hoje o VI Congresso dedicado ao tema "(In)sustentabilidade demográfica", para o qual convidou cientistas sociais de várias áreas, no plano nacional e internacional, da sociologia à economia, passando pela geografia e pela demografia, mas também titulares de cargos políticos.
Como viver num país com níveis de fecundidade tão baixos?
"Temos obrigação de interpelar a nossa comunidade, desde logo a nossa comunidade científica", reconheceu: "A questão da sustentabilidade demográfica é a de sabermos se a evolução demográfica tal e qual a conhecemos nos permite pensar na sustentabilidade do país".
A resposta, disse, virá das intervenções no congresso, cujo principal orador é o norueguês Vegard Skirbekk, que tem trabalhado com o universo de países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) nestas questões, especialmente na esfera ocidental. Como viver num país com níveis de fecundidade "tão baixos" como os atuais e que tipo de alterações devem ser feitas, incluindo no plano das relações familiares, é a resposta que se espera: "Perceber até que ponto somos sustentáveis", afirmou Paulo Machado.
Nova reorganização social
"Não é só na sustentabilidade económica, financeira, das contas públicas, não é só na sustentabilidade ambiental - que é importante -, é no seu todo, sendo que a componente da demografia é essencial, porque sem gente ou com gente com mais idade, não ativa, essa sustentabilidade acaba por ser uma pergunta legítima", defendeu.
"Organizamo-nos socialmente com base num conjunto de pressupostos. Um dos pressupostos fundamentais da nossa vida coletiva e que tem efeitos diretos na família, nas comunidades, no país como um todo, é o pressuposto de uma relação intergeracional equilibrada. Se essa relação não estiver equilibrada, então, porventura, teremos de nos reorganizar", sustentou o especialista.
Paulo Machado interroga-se como irá sobreviver a população em boa parte do território nacional. "Quando digo sobreviver estou mesmo a falar em sobrevivência, na ausência de população mais jovem. Como é que a população mais velha viverá sem a população mais nova?".
Resposta pode vir das próprias populações
Para o presidente da APD, além do sistema da Segurança Social, estão em causa questões do dia-a-dia como a ausência de pessoas que ajudem os mais idosos a ir ao médico, a trocar uma bilha de gás, a sinalizar a presença de estranhos junto a casa, alguém que os possa ajudar a sair de casa e a regressar em segurança, a fazer compras, a ir à farmácia ou ao cartório.
"Em muitas zonas do país, essa vida é uma vida muito dura e insustentável, ou seja, se as pessoas lá continuam nessas condições, continuam com um enorme sofrimento", alertou.
Paulo Machado entende que a resposta, ou a reação, pode também vir das populações, através de movimentos regionais que se insurjam conta o atual "estado das coisas", do sentido de voto ou pura e simplesmente da abstenção.
"Temos de nos manifestar, enquanto cidadãos livres, eleitores, se queremos que assim continue", defendeu.