No dia em que foi confirmada a venda da Media Capital à Altice, o crítico de televisão Eduardo Cintra Torres comenta o negócio e os efeitos que poderá vir a ter na linha editorial dos meios de comunicação daquele grupo.
Em entrevista à Renascença, Cintra Torres antevê uma descolagem do PS, que diz existir desde os tempos de José Sócrates, e um regresso à neutralidade.
É possível antecipar consequências deste negócio para o mercado da comunicação social?
Penso que podemos antecipar. Isto terá consequências não só na TVI como no mercado dos média portugueses em geral porque vai animar a concorrência. Temos um novo protagonista, a Altice, que substitui outro protagonista, a Prisa, que está, como sabemos, financeiramente de rastos.
A Prisa vendeu uma das suas jóias, a Media Capital, porque no ano que vem tem que pagar mil milhões de euros de empréstimos para se salvar.
Quanto à TVI, que é o principal meio da Media Capital, é difícil antecipar, mas julgo que aquele inusitado ataque de António Costa à Altice no Parlamento – que é um ataque nunca visto na história política portuguesa a uma empresa por um primeiro-ministro, e na casa da democracia – revela o receio de que haja alteração editorial na TVI.
Recordo que nos últimos anos a Prisa – que sempre apoiou o Governo de José Sócrates e o próprio José Sócrates – impôs uma linha editorial que em momentos-chave serviu para apoiar o agora arguido José Sócrates e o seu substituto António Costa a quem fez entrevistas simpáticas nos momentos que mais lhes interessaram e deu entrada de Fernando Medina, que é uma espécie de herdeiro não publicitado de António Costa dando-lhe um espaço concreto que outros não têm na TVI.
Do ponto de vista editorial, haverá uma concorrência mais feroz?
Julgo que sim porque quando se compra é para fazer mudanças. Não só mudanças do ponto de vista administrativo, mas também editoriais, porque o objectivo da Prisa era ter lucros, como qualquer empresa, e o objectivo da Altice é ter lucros, como qualquer empresa.
Do ponto de vista editorial, não estou a ver que a Altice tenha interesse em manter aquela estranhíssima relação da TVI com o Governo actual e, portanto, julgo que é possível antecipar que pretenderá talvez uma neutralidade. O ataque de António Costa não ajuda, se o negócio de facto se concretizar.
Vai demorar tempo, porque há um processo administrativo longo à frente deste tipo de negócios em Portugal e na União Europeia. A Altice avançará devagar, mas penso que haverá depois alterações e o ataque de António Costa não indica que se espere da Altice a continuação na actual linha editorial da TVI.
E mais concorrência no mercado televisivo e também no digital será sinónimo de mais qualidade ou pelo contrário?
A qualidade é sempre difícil de averiguar. Acho que se houver mais independência dos media a qualidade melhora. Se há mais concorrência também acho que a qualidade melhora através da concorrência porque os média têm patrões que são os seus donos, mas têm outros patrões que são os seus ouvintes, espectadores e leitores, ao serviço dos quais devem estar.
Uma empresa que pretende servir esses outros patrões (ouvintes, leitores e espectadores) deve comportar-se com independência, não alinhar em “fake news”, não alinhar em enviesamento, não alinhar em fretes ao poder político, ao poder económico, ao poder desportivo ou a qualquer outro tipo de poder e estar do lado do seus ouvintes, dos seus leitores, dos seus espectadores, dando-lhes informação independente com contraditório, com ambas as partes, em vez de esconder coisas, de dar demasiado destaque aos pontos de vista do poder, de fazer fretes como se vê tantas vezes nos nossos média em que vemos a mesma mensagem do gabinete do primeiro-ministro na primeira página dos jornais como se aquilo fosse uma grande descoberta jornalística.
Acho que uma concorrência leal e animada com empresas de média fortes beneficia os ouvintes, leitores e espectadores.